respostas a perguntas inexistentes (215)
pickles
O Amor não chega, disse ela. E eu, que tinha acabado de sair do banho para lhe abrir a porta, pedi-lhe que entrasse, fosse ao frigorífico buscar duas cervejas e um frasco de pickles, e esperasse um pouco por mim enquanto eu me vestia. Algumas gotas de água escorriam-me pelas pernas formando pequenas poças no chão da entrada. A minha mão esquerda segurava a toalha de banho à cintura, a direita encaminhava-a para a sala de estar.
Vesti as calças do dia anterior e uma das t-shirts que estavam por cima na gaveta da roupa, atrapalhado e confuso por aquela frase que mais parecia uma pedrada: o Amor não chega. Quando entrei na sala, ela estava silenciosamente sentada numa cadeira, mesmo ao lado da mesa onde tinha posto duas cervejas, já abertas, e dois pequenos garfos apoiados num prato cheio de pickles.
- O Amor não chega para quê?
- Não chega, é só isso! - disse ela pegando numa das cervejas.
Conheço a Joana e o Carlos há mais de vinte anos. Acompanharam, como um casal amigo, todo o meu primeiro casamento. Depois do meu divórcio continuámos próximos e a ter encontros mais ou menos regulares. Sempre achei que tinham uma relação perfeita, forte. Nunca discutiam, nunca davam sinais de fragilidade. Agora estão a separar-se porque, segundo a Joana, o Amor não chega.
Durante as férias recentes que realizaram, disse-me ela, foi ele a escolher todos os restaurantes onde comeram, as praias onde foram, os museus que visitaram e até os filmes que viram. Durante esses anos todos que passaram, ela deixou-se anular lentamente por ele, e agora já não existia a não ser para o seguir para todo o lado e contemplar as suas opções do dia-a-dia.
Nem ele nem ela fizeram de propósito. Talvez tenha sido um processo natural em que nenhum dos dois se apercebeu de quão incompatíveis podiam ser com o seu próprio Amor. O que ela sabe é que percebeu durante as férias que não é feliz com ele. Ponto.
As férias são isso mesmo, uma espécie de saída precária da prisão. Saímos de trás das grades que encerram a nossa normalidade de horários impostos por quem nos paga um salário de sobrevivência, de quatro paredes brancas e inócuas dum escritório sem sentido. Experimentamos, por alguns dias, uma nova relação com o mundo e ficamos surpreendidos por percebermos que não somos apenas máquinas de transformar oxigénio em dióxido de carbono. Afinal, estamos vivos e devemos tentar ser felizes.
Foi mais ou menos isto que eu lhe disse. Depois bebi a minha cerveja, tentando aproveitar ao máximo esse prazer corpóreo que é comer pickles ao mesmo tempo. Ela riu-se. Já não é mau, ou melhor, é óptimo.
O Amor não chega, disse ela. E eu, que tinha acabado de sair do banho para lhe abrir a porta, pedi-lhe que entrasse, fosse ao frigorífico buscar duas cervejas e um frasco de pickles, e esperasse um pouco por mim enquanto eu me vestia. Algumas gotas de água escorriam-me pelas pernas formando pequenas poças no chão da entrada. A minha mão esquerda segurava a toalha de banho à cintura, a direita encaminhava-a para a sala de estar.
Vesti as calças do dia anterior e uma das t-shirts que estavam por cima na gaveta da roupa, atrapalhado e confuso por aquela frase que mais parecia uma pedrada: o Amor não chega. Quando entrei na sala, ela estava silenciosamente sentada numa cadeira, mesmo ao lado da mesa onde tinha posto duas cervejas, já abertas, e dois pequenos garfos apoiados num prato cheio de pickles.
- O Amor não chega para quê?
- Não chega, é só isso! - disse ela pegando numa das cervejas.
Conheço a Joana e o Carlos há mais de vinte anos. Acompanharam, como um casal amigo, todo o meu primeiro casamento. Depois do meu divórcio continuámos próximos e a ter encontros mais ou menos regulares. Sempre achei que tinham uma relação perfeita, forte. Nunca discutiam, nunca davam sinais de fragilidade. Agora estão a separar-se porque, segundo a Joana, o Amor não chega.
Durante as férias recentes que realizaram, disse-me ela, foi ele a escolher todos os restaurantes onde comeram, as praias onde foram, os museus que visitaram e até os filmes que viram. Durante esses anos todos que passaram, ela deixou-se anular lentamente por ele, e agora já não existia a não ser para o seguir para todo o lado e contemplar as suas opções do dia-a-dia.
Nem ele nem ela fizeram de propósito. Talvez tenha sido um processo natural em que nenhum dos dois se apercebeu de quão incompatíveis podiam ser com o seu próprio Amor. O que ela sabe é que percebeu durante as férias que não é feliz com ele. Ponto.
As férias são isso mesmo, uma espécie de saída precária da prisão. Saímos de trás das grades que encerram a nossa normalidade de horários impostos por quem nos paga um salário de sobrevivência, de quatro paredes brancas e inócuas dum escritório sem sentido. Experimentamos, por alguns dias, uma nova relação com o mundo e ficamos surpreendidos por percebermos que não somos apenas máquinas de transformar oxigénio em dióxido de carbono. Afinal, estamos vivos e devemos tentar ser felizes.
Foi mais ou menos isto que eu lhe disse. Depois bebi a minha cerveja, tentando aproveitar ao máximo esse prazer corpóreo que é comer pickles ao mesmo tempo. Ela riu-se. Já não é mau, ou melhor, é óptimo.
21 comentários:
quando comecei a ler pensava que o amor não chegava. do verbo chegar, de nos bater à porta. afinal o amor não chega no sentido de não ser suficiente.
depois fiquei a pensar, e tenho para mim que qualquer dos dois sentidos são aplicáveis.
E não estar feliz, não sentir a felicidade de estar com aquela pessoa é a razão que faz com que de deva procurar o sentimento de ser feliz.
:)
mary, ambos são aplicáveis e ambos são ultrapassáveis. :)
eli, exactamente. :)
Consigo perceber e sentir o "problema" de Joana. No seu caso, acabou por se acomodar numa inércia lentamente destrutiva que a conduziu a um ponto de saturação (provavelmente) sem retorno. É uma das vias. Existe, também, a possibilidade de "se ir dando" pelo facto e tentar lutar contra o mesmo. Falando. Expondo. Alertando. Pedindo, até, em alguns casos. Normalmente esta via gera desconforto, discussão e sofrimento. Pergunto-me se em ambos os casos o desfecho não será o mesmo, ainda que na hipótese do diálogo fiquemos com a sensação de que, pelo menos, tentámos.
kowalski, eu só tenho dúvidas se se deve tentar mudar aquilo que nos é biológico. :)
Há dias alguém me dizia: "Quando uma relação é demasiado perfeita, devemos desconfiar!...". Aquelas palavras fizeram-me pensar... e acabei por concordar.
A tua história, não sei se real ou inventada, não interessa, veio confirmar: Tudo o que parece demasiado perfeito pode não passar de aparências!
olga cruz, nestas férias disseram-me exactamente o mesmo que a ti, e eu percebi. :)
Bagaço, essa dúvida é comum e dá pano para mangas. Talvez se deva tentar mudar aquilo que nos é biológico quando esse "aquilo" nos prejudica ou traz sofrimento próprio e a quem nos rodeia. A dúvida neste caso será: é re-al-men-te possível mudar aquilo que nos é biológico? Por muito que se queira e tente?
Quero acreditar que sim, mas... não sei. :)
kowalsky, até distinguir o que é o biológico do que é cultural, às vezes, me é difícil. :)
O verbo amar conjuga-se de muitas formas.
Às vezes o que se julga ser forma presente é apenas passado...
:)
É capaz de ser uma triste verdade, se calhar não chega mesmo..
malena, olha que frase tão esclarecedora. é isso mesmo, sim. já me aconteceu. :)
Bem, eu não concordo com a afirmação da tua amiga. O amor, quanto a mim, quando recíproco, partilhado por duas pessoas, chega sim. Agora, o que me parece, é que essa tua amiga já não ama o marido. E, claro, neste caso, o melhor para os dois é a separação...
Mam'Zelle Moustache, talvez tenhas uma certa razão. aliás, quando um tipo anda mesmo apaixonado tanto faz que chegue ou não. Se não chegar, faz-se com chegue. :)
Por isso é que as férias podem ser perigosas...
Nem mais! ;)
(não concordo é com esse "uma certa". O resto está certo, sim :p)
redonda, ou esclarecedoras. :)
Mam'Zelle Moustache, a razão é sempre assim... "uma certa". :)
Claro "que o amor não chega" e por vezes damos de caras com isso e o melhor é acabar. Instalada a monotonia e falta de diálogo...éo que mais me parece!
Por vezes é nas férias que "esse nevoeiro denso e já instalado" ainda se adensa mais com o vislumbre de ver coisas novas.
Agora pickles com cerveja é nunca tinha ouvido falar...
fatyly,mas pode haver Amor com monotonia, ou quando esta surge é porque já não há Amor? :)
Bagaço
Talvez não me tenha expressado bem, claro que pode haver amor com monotonia, mas há monotonias que podem ser autênticos monólogos, ou seja uma das partes faz todas as vontades ao outro, porque sim, porque é o seu dever, porque ama e quando se dá por ela...afinal não recebeu nada que a(o) tivesse preenchido...daí dizer que é óbvio que "só amor não chega" e para mudar os cenários não são precisas as férias...mas sim num trabalho diário fazer ou impor que também tem os seus gostos, lugares e desejos.
Julgo que agora fiz-me compreender melhor, será?
fatyly, eu não te estava a contradizer. estava, realmente, a questionar. na verdade não sei... acho que depende de muitos factores... mas sim, fizeste-te compreender. :)
Enviar um comentário