engole o teu piropo
ou solta o grunho que há em ti!
Duas aderentes do Bloco de Esquerda
decidiram fazer, durante um evento anual que o partido organiza há
já alguns anos, uma conferência chamada “Engole o teu piropo”.
A mesma destinava-se a uma reflexão sobre o machismo no nosso país,
ou seja, mais concretamente sobre a forma invasiva e desrespeitosa
como alguns homens tratam as mulheres. Esse evento chama-se
Socialismo e é composto por conferências com diversas e variadas
temáticas. Eu próprio, no ano de 2012, fiz uma sobre o filme Blade
Runner e o livro de Philip K. Dick que esteve na sua origem.
Voltando aos piropos, umas das coisas
que eu gosto no Bloco é precisamente a sua capacidade de discutir
tudo e mais alguma coisa que diz respeito à organização política.
Machismo, feminismo, bem estar dos animais, exploração no trabalho,
injustiça na Economia, etc. Não creio que haja temas menores quando
neles há vítimas directas que, muitas vezes, sofrem em silêncio.
É o caso dos piropos, por exemplo, que na verdade me preocupam enquanto Homem e, já agora, enquanto pai duma
menina que está a entrar na adolescência e a começar a perceber o
grunho que existe dentro de alguns portugueses. É preocupante, tanto
porque define um pouco o país em que vivemos, como porque afecta a
vida de todas as raparigas que, tal como a minha filha, estão
expostas a essa grunhice. Para mim, não restem dúvidas, é um tema
a discutir. Sempre.
Fiquei ainda mais preocupado quando
percebi a reacção de um vasto sector da sociedade portuguesa,
maioritariamente masculino, a esta iniciativa. Vi, ouvi e li de tudo.
Chamaram lésbicas às minhas camaradas, inúteis e, em tom jocoso
num cartoon do Expresso, podres de boas. Enfim, todos deram razão à
existência da iniciativa, porque todos pareceram soltar com vontade
o grunho que tinham reprimido lá dentro. E não, não estou a
exagerar. O piropo é para acabar.
Lembro-me muito bem de, quando tinha
vinte anos de idade, uma colega minha entrar na sala de aula a
chorar, como se uma nova e doentia condição humana lhe tivesse sido
revelada naquela manhã de Outubro. Um homem qualquer, bastante mais
velho, tinha-a perseguido durante alguns minutos e, antes dela entrar
na escola, prometido que estaria ali à espera que lhe fizesse uma
mamada. Só isso. Ela não aguentou. Alguns grunhos acharam que era
normal. Eu não.
Percebi agora que, quase trinta anos
depois, os homens portugueses evoluíram muito pouco ou nada. A
questão atingiu uma proporção tão dantesca que ouvi comentários
de quem nem sequer sabia o que se passava. Parecia que o Bloco tinha
feito um projecto de lei sobre o assunto e esquecido que estamos em
crise. Não esqueceu, mas a crise não implica esquecer o resto, o
resto, ou seja, o respeito por cada um de nós, independentemente do
género, da etnia, da religião ou doutra coisa qualquer.
E, por favor, poupem-me ao
contraditório. Eu sei muito bem que há piropos e piropos. Há os
que devem ser engolidos e os que devem ser livres. Por isso mesmo
acabo este texto com um piropo a todas as mulheres que aqui me
visitam: “Obrigado por existirem!”. Infelizmente, muitos homens
homens não percebem que a normalidade em que vivem não é normal.
24 comentários:
Não estás a confundir piropo com assédio e ameaça (com esse exemplo da mamada)?
Gostei :-)
Eu só acho que quando a coisa fica ofensiva deixa de ser piropo, passa a ser ofensa e susceptível de queixa na policia.
O que conta que fizeram à sua amiga é crime e não tem nada a ver com parolos.
Nirte
O que aconteceu á sua colega não foi um piropo, é violência psicológica e há que aprender a distinguir as coisas. Piropo é um comentário engraçado e sem ser ordinário, bregueiro e grunhido, como refere. Continuou a achar que essas mulheres são mal amadas e nunca ninguém lhes disse: "Não sabia que as flores andavam"
anónimo, obrigado. :)
são rosas, a mais picante e anónimo, podemos ter uma discussão semântica, claro, mas o que importava era ouvir a conferência em que a palavra "piropo" apenas aparecia no título. De resto, têm mais ou menos a mesma opinião que vocês... :)
Há alguma "acta" desse debate?
8O)
São Rosas, às vezes há vídeos... mas para ser sincero ainda nem sei se fizeram. :)
Como sempre, um grande texto :)
Como sempre, um grande texto :)
csa, obrigado. :)
Sabe-me sempre bem ler os seus "posts", amigo Bagaço! <3
Uma pessoa comenta no tm e dá nisto.
É substituir "parolos" por piropos sff
(não faço ideia o que é aquilo do nirte...)
O piropo é uma instituição em vias de extinção e é por definição amável e lisonjeiro. Podia até ser ressuscitado para substituir a grunhice.
Infelizmente a grunhice não é exclusiva dos homens nem sequer é uma coisa exclusivamente heterossexual e se calhar até já está devidamente enquadrada na legislação como assédio ou atentado ao pudor.
Se calhar a questão maior é mesmo distinguir piropo de grunhice... talvez o debate ajude nisso.
mammy, obrigado. :)
a mais picante, :)
paulo freitas, é um contributo válido para a discussão. :)
é para mim um tema muito amplo para ser discutido apenas do ponto de vista negativo ( culpa da bastante limitada educação existente no nosso país)... O piropo têm sempre duas faces, pode servir para denegrir, para magoar, para ofender quem o recebe, como também pode elevar a auto estima, elevar o espírito do momento, fazer sorrir, fazer quem o recebe sentir-se BEM naquele momento e talvez no resto do dia...
Eu pessoalmente utilizo o piropo sempre com a intenção de fazer sorrir e sentir-se bem quem o recebe...
Acabar com o piropo para mim não faz sentido, pois acredito que TODOS (homens e mulheres) gostam de vez em quando ouvir um elogio, um piropo... O que faz sentido é acabar com a negligente e deficiente educação de hoje em dia... Se o fizermos estaremos a contribuir para que os PIROPOS sejam apenas uma forma de homenagear a pessoa que o recebe...
piropo |ô|
(latim pyropus, -i, do grego purôpós, -ón, inflamado, em chamas)
s. m.
1. A cor do fogo.
2. Liga de cobre e ouro.
3. [Joalharia] Variedade de pedra preciosa.
Plural: piropos |ô|.
piropo |ô|
(espanhol piropo)
s. m.
[Portugal, Informal] Expressão ou frase dirigida a alguém, geralmente para demonstrar apreciação física (ex.: ficou corado com o piropo; piropo de mau gosto).
Plural: piropos |ô|.
(fonte: dicionário Priberam)
Assim, no real siginificado da palavra, e tal como o Sr. Paulo Freitas referiu no seu comentário, o piropo nada tem de mau. Eu gosto de ouvir piropos! Mesmo que venham de trolhas! Agora falta de respeito, intimidação, assédio sexual, são coisas completamente diferentes! E para isso penso que já existe legislação. O que não existe por exemplo é bom senso por parte de muita gente que tem o titulo de "agente de autoridade", e que quando uma mulher lá vai apresentar queixa porque o patrão a apalpou, ou porque foi seguida na rua por um tarado qualquer, lhe dão como resposta uma pérola destas "e porque é que a senhora veste uma saia tão curta, ou uma blusão tão justa? é que assim está mesmo a pedi-las!"...
Nos últimos dias tenho vindo a ler comentários sobre o piropo em tudo o que é sítio: facebook, blogs e até em alguns órgãos de comunicação social. Obviamente isso suscitou a minha curiosidade e resolvi perceber de onde surgiu esta nova polémica capaz de superar a tão aclamada "sexta-feira negra" da Judite de Sousa.
Até ali só tinha compreendido algumas ideias soltas como "o BE fez uma proposta de lei contra o piropo", "temos mais com que nos preocupar", "O BE deu um tiro no pé", etc. Fiquei a pensar: "Mas que raio?! O Bloco de Esquerda quer por um polícia em cada canto de esquina e prender o primeiro desgraçado que se atreva a dizer a sua piadola?"
No entanto, como estudante de Jornalismo, conheço aquilo a que se chama o "princípio do contraditório", que consiste basicamente em ouvir a outra parte. Por isso, comecei a procurar textos de pessoas que tivessem a opinião contrária à grande maioria. Foi aí que percebi do que realmente se tratava.
Como mulher, os "grunhos", como lhe chama, incomodam-me e - mais do que isso - restringem a minha vida. Como não tenho carro, quando quero ir de casa ao metro tenho de percorrer uma estrada nacional e não há dia que o faça em que não seja "brindada" com uma buzinadela ou um comentário de um camionista. Ao contrário do que algumas mulheres defendem, eu não me sinto elogiada por este tipo de manifestações masculinas. Sei que fariam o mesmo a uma mulher qualquer que por ali passasse, bonita ou feia, simplesmente para demonstrarem a sua masculinidade.
Usar uma saia ou uns calções nem pensar, mesmo que estejam 30 graus à sombra! E quando é de noite chego ao ridículo de por a mala e o cabelo por dentro do casaco para não perceberem que sou mulher! Sinto medo!
Agora pergunto: é isto inofensivo? É isto um elogio? Não me parece! E sinceramente não percebo como é que algumas mulheres não veem isso.
Aconselho-as talvez a ler este texto: http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade/9204/engolir-piropos-nao-devia-provocar-o-reflexo-de-vomito, na esperança de que lhes abra os olhos.
E para que não restem dúvidas: não, o Bloco de Esquerda não fez nenhuma proposta de lei. Simplesmente duas activistas deste partido decidiram debater este tema. E sim, há outros temas para além da maldita crise!
Cumprimentos,
Carla.
eu sou eu, ainda bem. :)
anónimo, volto a dizer que a discussão semântica me é indiferente. :)
Carla, obrigado pelo comentário. Eu percebo-o muito bem. :)
É triste não poder andar na rua descansada. Não, eu não me sinto elogiada pelos piropos, não me elevam a auto-estima, não me agradam nada. Mesmo quando não são ordinários, não me apetece passar por um grupo de homens que gritam "casava-me contigo!", "és mesmo linda", "nunca tinha visto uma flor com pernas". Estes são bonitos? São bem educados? Oh por favor, desamparem-me a loja! É que eu sou tímida, e ouvir estes berros, e ficar tudo a olhar, é mau. E depois há outra coisa: se calhar podia gostar destes piropos, se não fossem os outros, os mesmos ordinários, porcos, asquerosos, que me violam os ouvidos e a alma. Por isso se vejo uma possibilidade de ouvir qualquer coisa, que podia não ser uma ordinarice eu acabo por me sentir incomodada na mesma. Se vejo uma perspectiva de que algo do género possa acontecer, dou uma volta maior, atravesso a rua ou volto para trás e arranjo outro caminho. Quando andava no ciclo fazia um quarteirão extra só para não ter de passar por umas obras, em que os homens diziam sempre coisas assustadoras. Andar de carro também é mau, sempre que ultrapasso um camião levo uma buzinadela, tenho de estar sempre atenta para não apanhar um susto. Ou seja, para ultrapassar, tenho de me preocupar com as coisas normais de uma ultrapassagem e ainda me lembrar que vou levar buzinadela. É horrível, isto. Os homens às vezes pegam-se no trânsito se outro buzina sem razão, e eu tenho de levar com isto sempre! Estou a usar este espaço para desabafar, porque não tenho coragem de contar a ninguém, porque não gosto de dar parte de fraca. Em criança contei à minha mãe (perguntei o que era um broche), e ela orientou-me para fazer ouvidos de mercador. E eu faço, ou fujo, mas tanto duma maneira como da outra, não me sinto nada bem. E tenho medo, muito medo. Sou casada, e o meu marido não faz a mínima ideia de que por vezes chego a casa nervosa, e é por estas coisas. Fiquei parva como há tantas mulheres que gostam daquilo a que eu tanto me queria furtar! Sei que em parte o ero é meu, a maioria vive bem com isto. Por isso soube-me bem ler o seu texto! Obrigada!
unknown, obrigado. pelo testemunho e pela presença. :)
Gostei desse piropo :)
(já passei por frases/atitudes que me assustaram e aconteceu sobretudo quando tinha 10/12 anos, depois ouvi piropos, que mesmo não respondendo porque sou introvertida, me deixaram feliz)
redonda, :)
detesto TODOS os piropos! ja deixei de ir caminhar ao parque por causa dos piropos. deviam ser multados todos os que abrem a boca para comentar desconhecidos/as. nem os "es linda como uma flor" sao agradaveis de ouvir, eu nao existo para ser "uma coisa linda" para um idiota qq!
gostei do post.
just me, an ordinary girl, obrigado. :)
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