10.02.2013

respostas a perguntas inexistentes (261)

Desde o fim de semana que estou praticamente remetido ao interior da minha casa, entre algumas canecas de chá muito quente e copos de água onde dissolvo saquetas de paracetamol. Quando passamos alguns dias seguidos fechados em casa, praticamente sozinhos, o mundo lá fora ganha outro significado. É como se fosse o mundo dos outros, o qual vamos observando através da janela como se fosse o telescópio dum submarino.
Saio muito raramente com a desculpa comum de tomar um café no tasco do outro lado da rua, mas a razão verdadeira é precisamente aventurar-me nesse outro mundo e ver algumas caras diferentes daquela que o meu espelho tem a mania de me mostrar. As caras dos outros, que se tornam interessantes mesmo que eu não as conheça de lugar nenhum. É que para além disso, este é o terceiro dia consecutivo em que a minha vida social se resume a conversas ao telefone com a Raquel, a minha mãe e um ou outro amigo. Com uma excepção.
Foi precisamente nesse café que marquei um encontro com a Olga. Ela tinha visto no facebook que eu estava doente e mandou-me uma mensagem privada. "Talvez seja uma boa oportunidade para nos vermos", dizia. E eu, que acho que todas as oportunidades são boas, combinei com ela. Tive que lhe explicar onde vivo, porque não a via há uns quinze anos. Cheguei uns dez minutos antes da hora marcada.
Lembro-me que ela tinha um namorado de quem eu não gostava muito. Um tipo pouco falador, um pouco mais baixo do que eu, que tinha a mania de andar com a chave do carro na mão e que a usava como sinal sonoro para tudo. Por exemplo, quando queria chamar o empregado do café, batia com chave na mesa para atrair a sua atenção. Era uma coisa que me irritava solenemente.
Outra coisa de que me lembro é que ele anulava a Olga totalmente. Quando ela estava sozinha era uma mulher interessante, faladora e que tinha uma opinião sobre tudo, algo que eu apreciava bastante. Quando ele estava com ela, no entanto, era praticamente impossível ouvir-lhe a voz. Transformava-se numa espécie de bicho do mato, mudo e surdo. Mesmo quando eu lhe perguntava fosse o que fosse, era ele quem respondia automaticamente.
Talvez por isso tenha sentido um certo alívio quando a vi chegar sozinha ao café.

- Estás melhor? - Perguntou.
- Já consigo falar. Ontem nem isso conseguia, por causa da garganta inflamada.

Ela riu-se. Pediu um café e um pastel de nata enquanto olhava para a minha chávena já vazia, com um ar compreensivo e como se assim me explicasse que já sabia que eu não queria pedir nada.

- Estás como eu, então! - concluiu.
- Como tu?!
- Sim. Também andei anos com a garganta inflamada. Agora já consigo falar.
- Casaste com aquele teu namorado...
- Sim, mas já me divorciei.

Não me espantou o facto dela ter casado com ele. Espantou-me o tê-lo feito com a perfeita consciência do que estava a fazer. Ela sabia que estava a anular a própria vida ao fazer aquela opção mas, por qualquer motivo que nem ela me conseguiu explicar, fê-lo. Conversámos sobre isso, de forma descontraída, e eu acabei por recorrer também à doçura duma nata. Andou alguns anos calada, a observar o mundo como se não fizesse parte dele. Era o mundo dos outros, disse-me.
Estava doente, concluí.

4 comentários:

nos"entas!!!! ( e feliz) disse...

Pois, que me parece perfeitamente normal essa fase de plena observação!!
Ainda bem que já a ultrapassou!
As tuas melhoras rápidas!
beijinhos

Ivar C disse...

nos"entas!!!! ( e feliz), obrigado. beijinho. :)

EJSantos disse...

"Estava doente, concluí."
Estava. Quer dizer que já não está. Que bom, curou-se.
AH, as melhoras.

Ivar C disse...

ejsantos, obrigado. :)