10.30.2006

o síndrome do divorciado

Sim, hoje é segunda e eu detesto segundas. Também detesto terças, quartas, quintas, sextas, sábados e domingos, mas isso não interessa nada. Detesto segundas e hoje, para cúmulo do azar, é segunda. Segunda é o dia do síndrome do divorciado, porque no domingo (dia que também detesto) tiveram-se conversas de merda em que um divorciado se farta de ouvir merdas que, para além criarem uma fininha dor de barriga, têm enormes efeitos colaterais no dia seguinte.
A primeira coisa que não se pode perguntar a um divorciado é se ele batia na mulher, assim, por estas palavras. Foda-se, pá! Para que é que caralho me perguntam isso? Mas eu tenho ar de presidente da Câmara Municipal de Marco de Canavezes?! E porque é que se depreende que, sempre que há um divórcio, a culpa é do gajo que só fez merda?! Vá lá, deixem-me em paz.
Mas pior que isto, muito pior, é a merda da experiência. Normalmente são gajos a dizer isto: - “Opá, tu agora és um gajo com experiência e elas gostam disso... vão-te cair ao pés”. Primeiro, felizmente ainda ninguém me caiu aos pés, senão tinha que me baixar para dar uma ajuda e as minhas costas já não são o que eram. Segundo, a única conclusão que a minha experiência tira é que a experiência é tão importante como um pente para um careca, ou seja, nada. Experiência em quê? Em pendurar contas da luz e da água num quadro de cortiça? Em disputar hora e meia de televisão para poder ver o Beira-Mar a perder mais um jogo? Mas qual experiência? Digam-me por favor...
Para ser sincero, o desespero é tal, que já pensei em comprar uma caixa de palitos e sair ao engate enquanto faço dançar um nos lábios, tipo uma cena do gato fedorento que vi uma vez. Aproximo-me duma miúda qualquer e ofereço-lhe um copo (de cerveja, porque esta merda da experiência deixou-me tesinho que nem um carapau): Se ela recusar eu avanço logo: - “O que tu queres sei eu...”. É assim... resulta de certeza, pá.
Hoje é segunda e eu sofro do síndrome do divorciado. Já viajei de comboio com a cabeça encostada à janela, assim como quem desistiu de olhar para os ninhos de cegonha que vivem nos postes da EDP e que acompanham a linha. Aliás, cada vez que penso na EDP, só penso em contas e nos quinhentos aquecedores que a minha ex-companheira ligava todas as noites, e que agora, por causa duma merda qualquer a que chamam média ponderada, me dão uma conta que eu nem tenho coragem de dizer. Quinhentos aquecedores era no Verão, no Inverno nunca os consegui contar... Depois dizia-me para ir dar uma volta, se eu quisesse. E eu ia.
Hoje é segunda e eu sofro do síndrome do divorciado. Logo de manhã estive com ela, com a minha ex, e ela disse-me logo, mal saí do carro que já cheira a cotão: - “Estás tão bonito, estás mesmo bonito.”. Deixa-me ver se percebo. Há uns dias disse-me que nunca tinha deixado de gostar de mim, hoje diz-me que estou bonito. Às tantas vai voltar às explicações esotéricas para o nosso divórcio, tipo “estamos eternamente ligados mas não nascemos um para o outro”. Eu não nasci, definitivamente, para ser cliente da EDP. Mas sou, a sério que sou. Epá, preciso de silêncio.
Hoje é segunda e eu sofro do síndrome do divorciado. Acho que os dias me estão a passar entre os dedos como areia fininha, da qual só me restam uns grãos pequeninos à noite, e à segunda é o dia em que sinto essa merda com mais intensidade, principalmente porque tenho que dedicar parte do meu tempo precioso a um emprego merdoso em que, como é só intelectuais à minha volta, nem sequer posso festejar os três golos do Buba contra o Sporting. Só posso falar do livro que tenho na mesa de cabeceira (eu nem tenho mesa de cabeceira, é mais um sofá que não cabia na sala da gaiola onde vivo), e que me anda a chatear à brava.
Hoje é segunda e eu sofro do síndrome do divorciado. Já pensei em meter um anúncio numa empresa dessas que arranjam casamentos, mas uma do Uzbequistão ou de Burkina Fasso. Sempre dava para, mesmo que a coisa corresse mal passado algum tempo, não levar com a merda das cegonhas nas merda dos postes da EDP, ao longo da merda da linha do comboio, enquanto me dirijo para a merda do emprego. Pronto, tirando isto está tudo bem. Tenham uma boa merda de segunda-feira.

6 comentários:

Cristy disse...

Hoje sentes que a vida é uma merda e desconfio que nada do que te possam dizer vai mudar isso. Mas, apesar de não ter a tal da experiência, sei de uma coisa: Isso tudo só dói até parar de doer, só te revolta até deixar de te revoltar. Pode demorar mais ou menos tempo, mas um dia, vais olhar pela janela e dás por ti a procurar os ninhos de cegonha, sem te lembrares das contas da EDP.
Até lá, fazes bem em gritar e espernear de vez em quando. Essa cena de encarar as situações sempre com civismo não resulta (acho eu). A dor e a raiva são como o ar, se o guardares demasiado dentro de ti, torna-se tóxico.
Vai libertando isso (mas só de vez em quando, porque senão ninguém aguenta o mau feitio), depois, já podes respirar fundo e recomeçar.
Não podendo fazer mais, desejo que tenhas uma excelente terça-feira :)

PS. sei que era um post muito pessoal e que nem sequer te conheço, mas não resisti a dizer qualquer coisa porque conheço mt bem a sensação. Todos temos as nossas segundas-feiras.

Elipse disse...

fodam-se essas segundas e as terças e as semanas todas da vida de uma pessoa... raios te partam que me fizeste rever o filme todo e sentir outra vez a merda da sensação de não ter chão e de não haver mais nada para além da dor.

Tempo, diz a cristy?

O tempo é outra merda de coisa, semana após semana, segunda-feira após segunda-feira.

E também percebo a outra parte que é, no fundo, uma parte igual a nós: "nem contigo nem sem ti"...

E a vida é isto?

Elipse disse...

fodam-se essas segundas e as terças e as semanas todas da vida de uma pessoa... raios te partam que me fizeste rever o filme todo e sentir outra vez a merda da sensação de não ter chão e de não haver mais nada para além da dor.

Tempo, diz a cristy?

O tempo é outra merda de coisa, semana após semana, segunda-feira após segunda-feira.

E também percebo a outra parte que é, no fundo, uma parte igual a nós: "nem contigo nem sem ti"...

E a vida é isto?

Anónimo disse...

Agora já vai tarde, mas hoje aguentei bem o dia, neste trabalho que eu adoro, pensando que é quinta-feira e que amanhã é sexta, graças a montes de santos. Por outro lado não é bom falar de mulheres com economistas. Nunca falo de mulheres com economistas, nem gestores, nem advogados. É uma questão de pudor intelectual, seja lá isso o que for. Há bastantes livros no mercado bons para mesas de cabeceira, mesmo daquelas que não são legítimas mesas de cabeceira: colocam-se debaixo da perna mais curta e pára o balanço do candeeiro. Vários desses livros, quando empilhados, dão óptimas mesas de cabeceira.

Ivar C disse...

Obrigado Cristy. Terça vai ser melhor, sim. Quanto mais não seja pelo Clandestinoween. :)
Elipse, desculpa lá.
Torcato, não sou economista, nem gestor, nem advogado nem nada que se pareça. Muito longe disso...

vague disse...

:)

Gostei muito do texto.