A memória é uma nuvem
A memória é uma nuvem. Sei o que digo por causa dos últimos três anos da minha vida, que se condensaram numa forma indefinida no céu. É como se às vezes olhasse para o meu passado da mesma forma que olho para o céu num dia qualquer. Sei que está tudo ali, mas sou incapaz de distinguir seja o que for.
Nessa nuvem sei que estão os dois países onde vivi. Sei que estão dois ou três empregos, algumas histórias improváveis, dias difíceis de solidão e de saudade, novos amigos e um Amor. Só um, como devem ser os Amores. No entanto, faltam-me normalmente os momentos. Quero lembrar-me de um beijo, de uma mão dada, de uma lágrima ou de um sorriso e não consigo. Cada dia da minha vida é apenas uma partícula de água suspensa entre tantas outras que, assim de longe, parecem todas iguais.
E foi assim que aprendi uma coisa nova. Não é importante lembrarmo-nos constantemente e ao detalhe de cada acaso importante da nossa vida. Quando precisamos, esses momentos vêm ter connosco. Desprendem-se do céu e chovem sobre nós. É bom.
Ao meu lado, num velho pub inglês, um homem sem dentes ri-se sozinho enquanto bebe lentamente mais uma pint duma cerveja cuja marca desconheço. É um riso que me é familiar, essencialmente porque contém um choro escondido. Já me ri assim, a engolir a tristeza e a cuspir sabe-se lá o quê. Uma das vezes que o fiz estava num bar em Sófia e não me queria apaixonar. Fui bebendo, como se a bebida pudesse fazer alguma coisa por mim. Depois assumi a derrota e levantei-me, deixei algum dinheiro em cima da mesa e saí para a rua disposto ao que fosse. Eventualmente até a gostar de alguém outra vez.
Na noite anterior a S tinha-me tocado com os dedos dos pés dela nos meus, no meu corpo quase tão cansado como a minha solidão. E então veio a voz dela tapar-me como se fosse um lençol usado. Disse-me que estava tudo bem, mesmo que eu não quisesse voltar. Se o quisesse, melhor.
As ruas da capital búlgara mastigavam lentamente a luz do fim da tarde. As pessoas pareciam caminhar com pressa mas sem destino e os velhos eléctricos do tempo do comunismo transportavam-nas sem razão aparente. Então entrei num deles, cheio de passageiros embrulhados em silêncio e de mais um homem a rir-se para não chorar.
Voltei nesse instante.
Nessa nuvem sei que estão os dois países onde vivi. Sei que estão dois ou três empregos, algumas histórias improváveis, dias difíceis de solidão e de saudade, novos amigos e um Amor. Só um, como devem ser os Amores. No entanto, faltam-me normalmente os momentos. Quero lembrar-me de um beijo, de uma mão dada, de uma lágrima ou de um sorriso e não consigo. Cada dia da minha vida é apenas uma partícula de água suspensa entre tantas outras que, assim de longe, parecem todas iguais.
E foi assim que aprendi uma coisa nova. Não é importante lembrarmo-nos constantemente e ao detalhe de cada acaso importante da nossa vida. Quando precisamos, esses momentos vêm ter connosco. Desprendem-se do céu e chovem sobre nós. É bom.
Ao meu lado, num velho pub inglês, um homem sem dentes ri-se sozinho enquanto bebe lentamente mais uma pint duma cerveja cuja marca desconheço. É um riso que me é familiar, essencialmente porque contém um choro escondido. Já me ri assim, a engolir a tristeza e a cuspir sabe-se lá o quê. Uma das vezes que o fiz estava num bar em Sófia e não me queria apaixonar. Fui bebendo, como se a bebida pudesse fazer alguma coisa por mim. Depois assumi a derrota e levantei-me, deixei algum dinheiro em cima da mesa e saí para a rua disposto ao que fosse. Eventualmente até a gostar de alguém outra vez.
Na noite anterior a S tinha-me tocado com os dedos dos pés dela nos meus, no meu corpo quase tão cansado como a minha solidão. E então veio a voz dela tapar-me como se fosse um lençol usado. Disse-me que estava tudo bem, mesmo que eu não quisesse voltar. Se o quisesse, melhor.
As ruas da capital búlgara mastigavam lentamente a luz do fim da tarde. As pessoas pareciam caminhar com pressa mas sem destino e os velhos eléctricos do tempo do comunismo transportavam-nas sem razão aparente. Então entrei num deles, cheio de passageiros embrulhados em silêncio e de mais um homem a rir-se para não chorar.
Voltei nesse instante.
8 comentários:
Olha quem está de volta. ♥
tem certeza que você não sou eu? depois do silêncio este texto que sintetiza tanto do meu sentir (até os dois países e tal). Me tocou muito.
gostei que tivesse voltado!
um abraço
Gostei do texto, as memórias são de facto nuvens, aparecem e desaparecem sem controlo, muitas das vezes, sem controlo possível. Somos o que somos, humanos, com as nossas valências e debilidades, por vezes mostramos força quando não a temos.
Gostei.
RPM, nunca saí daqui. Apenas me calei.
Luciana Nepomuceno, Vou tendo. Obrigado.
Maria Mary, obrigado.
Sam Seaborn, obrigado.
Era da tua voz que tinha saudades, então.
RPM, :)
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