12.01.2017

respostas a perguntas inexistentes (379)

Eu e o Vento

A noite embrulhou-me em silêncio. Saí do trabalho e continuei a caminhar sem destino, como um barco à deriva num mar sem vida. Era assim que estava a cidade, quase morta. Mas tive sorte, encontrei um pequeno sinal de vida no vento que, tanto quanto percebi, também estava sozinho.
Ainda bem. É sempre bom ter alguém com quem falar e nada como ele, que nunca põe em dúvida o que dizemos, para dar dois dedos de conversa. 
Sempre acreditei que somos incapazes de mentir aos outros, mas mentimos muito facilmente a nós mesmos. Só o vento é que tem essa noção e, talvez por isso, seja um dos meus melhores amigos.
Esta noite, por exemplo, falámos de Amor. E ele concorda comigo no essencial. A palavra é de desconfiar. Fala-se de Amor como se fosse uma coisa qualquer. E não é. Eu já vou em quase cinco décadas de vida e, tanto quanto me lembro, disse essa palavra a três mulheres. Bêbado, claro, que é o conta. Em estado sóbrio terei dito mais vezes, mas todos sabemos que a sinceridade é filha da bebedeira.
Quando se diz a palavra Amor a muitas pessoas, então nunca se Amou ninguém. Foi ele que mo explicou, o vento, que também me pareceu estar um tanto ou quanto embriagado. E eu acreditei.
Dividimos a dor e o prazer de não sermos nada nem coisa nenhuma. Isso e uma garrafa de vinho barato, claro. Afinal de contas andamos os dois sempre a contar os trocos como se fossem cada um dos momentos do tempo que passa.
Nada disto interessa muito, claro. Foi apenas mais um conversa entre dois amigos de longa data que partilham o facto de nunca terem pedido a nenhuma mulher que os continuasse a Amar para além do Amor. E é por isso que de vez em quando nos cruzamos os dois num ponto qualquer do planeta, nos sentamos no primeiro local aprazível e discutimos o mundo como se fosse possível entendê-lo.
Sou eu e o vento.

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