12.01.2015

respostas a perguntas inexistentes (355)

O Amor é tão estranho, pá.

Era um domingo à tarde como outro qualquer, daqueles em que a maior parte das pessoas se dá conta que não sabe o que fazer de manhã, mas quando chega a noite arrepende-se de não ter feito o que devia. Foi assim que tu me explicaste porque é que estavas à janela a ver os carros a passar. Aproximei-me e deste-me algum espaço, como se eu também quisesse ficar ali a contemplar a inércia domingueira da cidade.
Naquela altura havia Amor entre nós, mas não quando estávamos juntos. Era como se o Amor fosse uma terceira entidade que ia dar uma volta sempre que estávamos os dois em casa. Eu passava os meus tempos de solidão a pensar em ti, depois passava o tempo contigo a desejar voltar a essa solidão. Menos quando fazíamos Amor ou tínhamos visitas em casa.
O que nunca te expliquei bem é que não era para estar sozinho que eu queria estar só. Era para me lembrar de ti com a intensidade dessa saudade. Na verdade, acho que tu sentias exactamente o mesmo que eu. Pelo menos passaste a aceitar bem que eu me afastasse para ir ao café, ao cinema ou a outro sítio qualquer, mas telefonavas-me sempre quando a distância entre nós crescia.

- Não quero ficar a tarde toda à janela! - disse-te.
- Então vai dar uma volta. Eu gosto deste calorzinho que passa pelos vidros da janela.

Afastei-me como uma presa na selva que não quer ser vista pelo predador. Nem a bater com a porta fiz qualquer ruído. Caminhei horas a fio pela cidade sem parar uma única vez, nem que fosse para olhar para uma montra. Acho que passei a tarde a falar com as árvores alinhadas das ruas e das avenidas, que me pareciam tão sós como eu, apesar de estarem umas com a outras.
Quando voltei já o Sol aquecia janelas noutro lugar qualquer do mundo e tu não estavas na janela do quarto. Perguntei-me quanto tempo terias lá estado depois de eu sair, mas não encontrei nenhuma resposta no meu pensamento dedutivo.
Estavas na cozinha a tomar café e a comer um pão com manteiga, com o telefone ao lado como se fosse o cadáver de um animal.

- Saíste, mas deixaste o telefone em casa... - disseste.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não... era só para falar contigo.

O Amor é tão estranho, pá.

4 comentários:

Ella e o Gato disse...

"Tenha cuidado com a tristeza. É um vício". Prenez, em Madame Bovary.
(Já Ella o referiu uma vez no blog d'Ella)

S.o.l. disse...

Querer estar só e simultaneamente querer saber do outro ali. Presente. Compreendo bem isso...

É quase como sair pela porta de casa para ficar a espreitar à esquina se alguém toca à campainha. bhaaaa... devaneios meus :)

marta disse...

Para mim descreves a rotina de um casal de forma genial. Não é a falta de amor, é a falta de sentir falta.

Ivar C disse...

Ella e o Gato, é um vício e é o oxigénio da felicidade. :)

s.o.l., entendo esse devaneio. :)

marta, obrigado. é essa falta, sim. :)