11.24.2014

respostas a perguntas inexistentes (293)

bifanas

Esta podia ser a história dum homem e duma mulher que foram feitos um para o outro, mas não é. Quando nascemos, nascemos feitos para nós mesmos. Não é egoísmo, é liberdade. Se o Amor não entender isso, acaba. O problema é que normalmente não entende, porque o Amor tem a mania de ser egoísta.
Sobre o que falamos quando falamos de Amor, acaba sempre no mesmo pressuposto, errado, de que quando duas pessoas se Amam passam a dever alguma coisa um ao outro. É a assumpção de que duas pessoas podem nascer uma para a outra quando, de facto, não podem.
 A variável do nascimento insere-se no imenso caos probabilístico que nos torna impossíveis para o(s) outro(s). Ainda bem, digo eu. Sabe tão bem sermos feitos para nós mesmos que sabe ainda melhor quando atingimos a impossibilidade do Amor.
Na verdade, o único egoísmo que consegue ser maior do que o nosso é o egoísmo da paixão. Quando nos apaixonamos e passamos a sentir que o chão está dez centímetros abaixo dos nossos pés, assim como quem não quer a coisa, abdicamos um pouco de nós.
Estou a escrever este texto com as mãos a cheirar a bifanas, as melhores do mundo, que como de vez em quando no Icaria, um restaurante perto da estação de São Bento. São dois euros e noventa por uma experiência divinal com carne no pão e uma cerveja. Mais ainda quando se assiste ao que eu assisti hoje. Um homem e uma mulher a discutirem energicamente na rua. Ela a pedir que ele a deixasse em paz, ele a argumentar que foram feitos um para o outro.
É um péssimo argumento, pensei. Depois trinquei a bifana.

11.12.2014

Berlim

Sempre gostei de viajar pelo motivo mais óbvio, que é o prazer que dá conhecer lugares novos. Com a Raquel aprendi que o melhor de viajar não é conhecer esses lugares, mas sim poder partilhá-los com alguém que nos conhece as entranhas.
Dentro daquilo que são as minhas limitações económicas, tenho viajado o mais que posso e consigo. Nestes últimos dias, por exemplo, andei a saltitar por Berlim como se fosse uma criança num parque de diversões. Virava-me para ela e dizia "olha isto!" com o mesmo entusiasmo com que o dizia à minha mãe em criança sempre que ia ao Portugal dos Pequeninos. Levei uma lista com o nome de dezasseis coisas que eu queria mesmo ver naquela cidade. De nenhuma tinha a morada, as coordenadas ou uma referência qualquer. Foi a Raquel que se deu ao trabalho de descobrir onde ficavam todas e de me levar lá em transportes públicos. Numa cidade cuja zona urbana tem quarenta e seis por trinta e oito quilómetros, acreditem que não é fácil.
Às vezes paro num sítio qualquer, como parei num bar duma das grandes avenidas de Berlim, e fico a beber uma cerveja tão lenta quanto um caracol. Não percebo (e isto é a sério!) o que é que uma mulher como ela vê em mim. Encontro-me no papel do Monstro amado pela Bela, no sentido lato da expressão e do contexto, e considero-me um homem com sorte.
Só isso.