1.31.2012
1.30.2012
conversa 1880
(no café)
Eu - Olá!
Ela - Olá! Estou atrasada?
Eu - Um bocadinho, mas não faz mal.
Ela - Como já não me lembrava se tínhamos combinado às nove ou às nove e meia, vim às nove e meia.
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1.29.2012
bronze
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1.28.2012
a suficiência é insuficiente
O Amor duma mulher é suficiente? Sei que há quem discuta isto consigo mesmo desta maneira. A mim, a palavra "suficiente" nunca me chegou para adjectivar o Amor. Prefiro dizer que há homens para quem o Amor duma mulher é tudo. A palavra "tudo" é mais certeira que a "suficiente" para definir um Amor, pelo menos se for mesmo assim.
Há homens que procuram simultaneamente o Amor de várias mulheres. Esses, por estranho e contraditório que possa parecer, são os homens sós. O Amor duma mulher nunca é suficiente, o que quer dizer que nunca se chega ao tudo. Sofre-se mais, mesmo que pareça que se sofre menos. Estes são os homens mais injustiçados pela herança judaico-cristã da nossa cultura. As mulheres chamam-lhes invariavelmente sacanas porque não percebem que eles são sofredores. Nunca sentem que têm tudo e nada lhes é suficiente.
Fecho os olhos nesta floresta densa em que penso, aquecido pelo frágil frio dum Inverno que teima em não se fazer notar. Sei que já fui um pouco dos dois. Abro-os novamente. Por um momento percebo que tenho tudo e que a suficiência me seria insuficiente.
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1.26.2012
conversa 1879
Ela - Não compreendo os homens.
Eu - Então porquê?
Ela - O meu namorado passou quatro anos a dizer que não queria compromisso nenhum sério comigo, que a nossa relação era só de passagem e tal. Agora, de repente, pediu-me em casamento.
Eu - Parabéns!
Ela - Parabéns, nada. Eu disse-lhe que no princípio até tinha casado, se ele me tivesse pedido, mas agora habituei-me à tal relação sem futuro e estou muito bem assim.
Eu - Ah!
Ela - Acho que à medida que um homem e uma mulher se vão conhecendo, há um processo de inversão sentimental.
Eu - Inversão sentimental?! Que é isso?
Ela - Ele vai gostando cada vez mais dela, ela vai gostando cada vez menos dele.
Eu - Nalguns casos é capaz de ser verdade. Isso quer dizer que há um momento excelente, em que ambos gostam igualmente um do outro.
Ela - Sim, o nosso foi há um ano, mais ou menos. A partir daí vejo-o cada vez mais frágil e carente. Detesto homens carentes.
Eu - Preferes homens que te digam que não querem nada a sério contigo?
Ela - Sim, definitivamente. Têm muito mais interesse.
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1.25.2012
respostas a perguntas inexistentes (194)
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1.24.2012
conversa 1878
Ela - Acho que aquela moda de se venderem calças novas rotas deve estar para acabar.
Eu - Calças novas rotas?!
Ela - Sim, nunca viste?
Eu - Se calhar já vi, sim.
Ela - Pois, agora com a crise essa moda deve estar para acabar.
Eu - Com a crise?! Porquê?
Ela - Dantes ficava bem usar calças rotas, agora fica mal. Podem pensar que se anda roto por se ser pobre.
Eu - Que raio de pensamento. Olha, eu, por exemplo, tenho estas calças rotas nos bolsos...
Ela - Eu reparei, por isso é que te estou a dizer isto. Não te fica nada bem andar com essas calças nos tempos que correm.
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coisas que fascinam (138)
Tomamos café. A Sónia pergunta-me como estou. Que estou bem, respondo. A Sónia pergunta-me se ainda estou apaixonado. Faço silêncio com os olhos e ela insiste. E tu, ainda estás apaixonado? Abano a cabeça afirmativamente e sem determinação. Sei que ela não quer saber a resposta, que apenas que eu saiba que ela não está. Então e tu? O Amor foi-se? Ela abana os ombros também afirmativamente.
Fico a pensar na minha pergunta. O Amor foi-se? É a assumpção de que o Amor se vem e se vai como se fosse um passageiro na nossa vida. Na vida de duas pessoas, porque o Amor é sempre isso, a vida de duas pessoas. O meu não se foi, mas também eu tenho medo que um dia destes ele se despeça de mim e saia num apeadeiro qualquer deste tempo que é o meu. Sorrio, talvez nervoso, e digo-lhe que a vida é assim.
Dizemos sempre que a vida é assim quando lhe perdemos o rasto; quando, de facto, nos apercebemos que não sabemos como ela é. Dizendo que ela é assim parece que a estamos a agarrar, mas não estamos. Estamos a escapar-lhe. Sabemos apenas como ela devia ser. Mais nada. E agora sorri a Sónia, talvez nervosa, e abana os ombros, desta vez negativamente. A vida não é assim.
Quando um Amor se vai a vida vai-se com ele. Da mesma forma que quando um Amor se vem a vida vem-se com ele. É assim, no sexo e fora dele, com o alívio de que a vida nunca se vai toda. Vai-se uma parte dela, talvez quase toda, talvez nervosa abanando os ombros esmorecidos. A que resta fica, às vezes, num amigo a quem se pergunta se ainda está apaixonado mesmo que não se queira saber a resposta. Quer-se só dizer que já não se está. E tomar um café.
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1.23.2012
conversa 1877
Ela - O meu ex está sempre a dizer-me que não percebe o que é que falhou no nosso casamento.
Eu - Está?
Ela - Sim, e eu já lhe expliquei que o que falhou no nosso casamento foi precisamente ele não ser capaz de perceber onde é que o casamento falhou.
Eu - Admito que, só assim, também não percebi lá muito bem.
Ela - O facto de eu me sentir muito sozinha quando estava casada com ele, por exemplo, foi um motivo forte.
Eu - Ah! Isso já é um motivo com pés e cabeça.
Ela - Mas o grave foi ele nunca ter sido capaz de perceber isso.
Eu - Podias ter-lhe dito.
Ela - Se eu lhe tivesse dito, tudo o que ele mudasse para alterar as coisas não ia ter qualquer valor.
Eu - Assim dificultas muito as coisas.
Ela - Ninguém disse que manter uma relação é fácil.
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1.20.2012
conversa 1876
Eu (risos) - Porquê?
Ela - No fim disse-lhe que tinha sido bom. Enfim, que eu tinha gostado.
Eu - Ainda bem, então.
Ela - Mas ele respondeu-me que sim, que até tinha sido mais ou menos.
Eu - Mais ou menos?! Ena!
Ela - Pois. Expulsei-o logo da cama e de casa.
Eu - Também não era preciso tanto.
Ela - Era, era. Será possível que um homem não tenha um mínimo de sensibilidade?!
Eu - Nem sei que te diga...
Ela - Agora queria era pedir-te uma coisa.
Eu - O quê?
Ela - Que lhe devolvesses as cuecas. É que eu não o quero ver mais.
Eu - Queres que eu vá devolver umas cuecas a um gajo que eu não conheço de lado nenhum?! Claro que não.
Ela - É que senão ele vai lá casa buscá-las e não me apetece vê-lo durante uns tempos.
Eu - Ele que esqueça as cuecas.
Ela - Mandou-me uma mensagem, porque eu não lhe atendo o telefone, a dizer que tem medo que a mulher dele dê pela falta delas.
Eu - A mulher dele?! Ele é casado?!
Ela - Pelos vistos. Eu também não sabia.
Eu - Eu não lhe dou cuecas nenhumas, desculpa lá. E se eu fosse a ti também não dava. Com essa do "mais ou menos", o melhor que podes fazer é pôr as cuecas no lixo e deixar que a mulher dele descubra e se chateie.
Ela - Bem visto. Sabes que às vezes pensas mais como uma mulher do que eu própria?
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mamas e bolas
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1.19.2012
os senhores dos anéis
Um casamento é isso mesmo, para o mal e para o bem, um contrato. Como é também, ou devia ser, por exemplo, o programa eleitoral dum partido. No casamento está-se a contratualizar, sobretudo, um Amor. Não se está a abrir portas para que o cônjuge use e abuse da vida do outro. Casamos, assinamos um papel, trocamos anéis, beijamo-nos e a vida continua. Deve continuar, aliás, como era antes, com Amor e cuidado de parte a parte.
Às vezes ponho-me a pensar nas coisas que nós fazemos e que não têm sentido nenhum. É quando percebo, por um momento, porque é que os portugueses (ou a maior parte deles) são uns falhados no Amor. É porque são absurdamente capazes de manter um casamento sem sentido. Sem sentimento também. São os senhores dos anéis e de mais nada. Talvez seja uma questão de comodidade e de aparência. Talvez. Só isso.
Um dos piores casamentos que os portugueses (ou a maior parte deles) mantêm é com políticos estúpidos. Casam repetidamente com eles de quatro em quatro anos assinando um contrato, dizendo que sim no mais importante dos altares, fazendo a festa, trocando anéis. Depois encolhem-se perante a violência de que são vítimas diariamente. Sofrem todos os dias em silêncio e, quando finalmente parece que o martírio está a acabar, lá vem o agressor com as desculpas do costume. Promete que vai mudar, pede mais uma oportunidade, que a vida vai ser melhor, que vai deixar as más companhias. Por fim, que ainda sente Amor. Mas não, não sente.
A Democracia não se pode limitar a um casamento de quatro em quatro anos, depois dessas desculpas esfarrapadas, porque o Amor não se pode confundir com casamento nenhum. É por isso que os portugueses (ou a maior parte deles) falha no Amor e na vida, mas é também por isso que pode, duma vez por todas, acertar o passo em ambos. Divorciem-se pôrra! Casem com outr@. Agora que já nos levaram os anéis, só somos senhores de nós mesmos. Levantemo-nos.
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conversa 1875
Eu - Não acho bem nem acho mal. Não acho nada...
Ela - Caraças! Nem se pensares que quando ele tinha vinte anos ela ainda era um bebé?
Eu - Que raio de conversa, sinceramente.
Ela - Tinha esperança que tivesses uma resposta na ponta da língua...
Eu - E para que é que tu querias que eu tivesse uma resposta na ponta da língua?
Ela - Para quando os meus pais me perguntarem o mesmo.
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Etiquetas: conversas
1.18.2012
por gestos
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Etiquetas: crónicas de engate
1.16.2012
pensamentos catatónicos (269)
Devo dizer que detesto a palavra fashion ou, se preferirem, acho a indústria da moda e as passagens da Fátima Lopes a coisa mais imbecilóide que pode haver. A roupa e o calçado para mim são apenas isso mesmo: roupa e calçado. Ponto
O que eu me lembro de gostar de calçar, quando era a criança, é das botas de borracha que me permitiam saltar para as poças de água sem molhar as meias e os pés. A minha mãe também as adorava, mas porque eram baratas e me calçavam durante toda a época chuvosa do ano. Lembro-me de percorrer o caminho entre a minha casa e a escola primária com as minhas vermelhas calçadas, saltando de poça em poça de água como um gafanhoto errante.
Para além das crianças, as únicas pessoas que usavam botas de borracha eram os agricultores, exactamente com o mesmo motivo de não molhar as meias nem os pés. A única diferença é que as botas deles eram pretas e as das crianças eram às cores. A Helena, por exemplo, tinha umas azuis de que nunca me esqueci. Lembro-me delas a tentarem pisar as minhas numa brincadeira do recreio.
A Helena foi a minha namorada da infância, ou seja, foi a minha namorada que nunca o chegou a ser. Lembro-me de fugir da escola com ela para andar de baloiço no parque, de dividirmos os nossos lanches pelos dois, de nos sentarmos em cima do ramo duma árvore onde planeávamos construir uma cabana que nunca chegou a existir. Depois os pais dela foram viver para Lisboa e roubaram-na de mim. Nunca mais a vi.
Um destes dias, enquanto passeava com a Raquel, vi umas botas de borracha assim, iguais às que eu e a Helena usávamos em criança. Eram as mesmas, só que em vez de estarem amontoadas numa caixa na velhinha sapataria Lé, em Aveiro, estavam numa prateleira de vidro iluminadas por dois focos como se fossem o actor principal dum filme hollywoodesco qualquer. Custavam mais de cem euros e uma adolescente gritava com a mãe hesitante para que lhas comprasse.
A Raquel disse-me que agora é normal, que as botas de borracha estão na moda e são um produto quase de luxo. Por um momento pensei na Helena e desejo, em nome das memórias da minha infância, que ela não se tenha tornado assim, alguém que anula o sentido prático e divertido da vida para se colocar numa iluminada mas entristecida prateleira de loja, que é o que a palavra fashion nos faz a todos. É por isso que a detesto. Ponto.
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Etiquetas: pensamentos catatónicos
conversa 1874
Ela - As pessoas infelizes costumam ser histéricas de vez em quando.
Eu - Costumam?
Ela - Costumam. A histeria é uma máscara de felicidade.
Eu - Não sei se é.
Ela - Estou a falar daquela histeria festiva, em que uma pessoa faz a festa, lança os foguetes e ainda vai apanhar as canas.
Eu - Ah! Talvez...
Ela - Não é talvez, é de certeza. Eu sei porque também sou assim.
Eu - Histérica?
Ela - Sim.
Eu - Mas és infeliz, tu?
Ela - Sim, sinto-me infeliz.
Eu - Tem piada, nunca me pareceste uma mulher infeliz. Muito pelo contrário.
Ela - Lá está, isso é porque sou histérica. Tu és lento das ideias, não és?
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1.12.2012
conversa 1873
Eu - Desculpa lá interromper-te, mas estou cheio de dores de cabeça e preciso dormir. Dá para falarmos amanhã?
Ela - Dói-te a cabeça?
Eu - Sim.
Ela - Não costumas ter dores de cabeça...
Eu - Acho que é por não ter tomado café. Importas-te? Preciso dormir...
Ela - Ah! Sei que dor de cabeça é essa. Tomas um café e pronto, está resolvido.
Eu - Mas é que eu ando com a tensão muito alta e estou a tentar deixar o café.
Ela - Ah! Então não tomes. É perigoso ter a tensão alta.
Eu - Eu sei. Beijinho e até amanhã. Depois ligo-te...
Ela - Estás a despachar-me?
Eu - Não, é que preciso mesmo de dormir porque estou mal disposto.
Ela - Ah! Já podias ter dito.
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1.11.2012
respostas a perguntas inexistentes (193)
Não há Amores fáceis. Por estranho que pareça também não há Amores difíceis. Os Amores são todos mais ou menos iguais. A única diferença está em que alguns Amores o são mesmo, outros não. O que torna os Amores todos iguais é o facto de cada um ser único. É nisso que são todos iguais. Não há nenhum Amor que se compare ao meu, assim como o meu também não se compara a nenhum outro. É por isso que ele não é fácil, nem difícil. É o meu Amor. Só isso.
A unicidade do Amor acaba com a ideia de perfeição, seja ela a perfeição cristã de Santo Agostinho ou a positivista de Kant. No Amor busca-se precisamente o contrário: a imperfeição. É ela que é única e é ela que tem a capacidade de nos fascinar. Por ser isso mesmo: única. A ideia absolutista de perfeição é, aliás, uma seca de todo o tamanho e por isso impossível de ser objecto de Amor.
É como se cada um de nós se apaixonasse por um lugar, porque um Amor é isso mesmo. Um lugar. Ninguém mais lá entra, nessa grandiosa imperfeição que só duas pessoas são capazes de criar. Amo-o todo, esse lugar, e é por isso que cuido dele o melhor que sei e posso, para que um dias destes não me apeteça abandoná-lo. É a minha tentativa de prolongar o Amor no tempo. Hoje, por exemplo, acordei de manhã e plantei-lhe uns Amores Perfeitos, para lhe poder chamar também isso, pelo menos em parte. Um Amor Perfeito.
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Etiquetas: respostas a perguntas inexistentes
1.10.2012
conversa 1872
Eu - Li no jornal que na Tailândia um homem casou com o cadáver da namorada.
Ela - Com o cadáver?
Eu - Sim. Ela morreu num acidente de viação e ele estava tão apaixonado que casou com ela já morta. É bonito, parece a história de Pedro e Inês...
Ela - Nem é mal pensado, se virmos bem.
Eu - Em que aspecto?
Ela - Pelo menos assim não se divorciam. Se o meu marido estivesse morto quando me casei com ele, tinha sido tudo muito mais fácil.
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depois a Raquel chegou
Hoje, quando peguei no jornal do café para ler as gordas enquanto esperava pela torrada seca e pelo galão directo do costume, subi-o mais um pouco do que o habitual de forma a que ele me tapasse a cara. Mesmo assim quase todos me perguntaram se eu estava bem. A dona do estabelecimento que passa mais tempo na caixa a contar o dinheiro do que a atender os clientes, a empregada que passa o dia a varrer o estabelecimento com os próprios pés, o homem que vende cautelas da lotaria, a mulher que tem um cabeleireiro mesmo ao lado e vem sempre tomar café de bata vestida.
Não gosto que me perguntem se estou bem quando não estou. Ainda fico pior. A pergunta "estás bem?" só devia surgir quando o inquirido se sente de facto bem, caso contrário fá-lo ter uma noção mais intensa do seu próprio mal-estar. O "sim" não sai por ser mentiroso, o "não" não sai por ser inesperado e doloroso. Abanei os ombros a todos com um mastigado "hum hum".
A torrada lá veio, não tão seca quanto o desejado, e o galão também, não tão quente quanto o desejado. Nunca vem nada como o desejado quando o próprio dia não está a ser o que desejámos. Dobrei o jornal em dois, como se fosse possível fechar ali para sempre as más notícias sobre violência e sobre a crise económica, e dei a primeira dentada numa das tiras de pão protestando com a empregada pelo excesso de manteiga derretida.
Depois a Raquel chegou, sentou-se ao meu lado, e perguntou-me se eu estava bem. E eu respondi que sim, até porque já estava.
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1.06.2012
conversa 1871
(ao telefone)
Ela - Vais ter ao café?
Eu - Vou. É só pôr um casaco e saio já.
Ela - Eu também vou só trocar de roupa. São cinco minutos...
Eu - Ah! Se vais trocar de roupa são mas é uns trinta ou quarenta minutos. Então espero mais um bocado.
Ela - Isso foi alguma boca foleira?
Eu - Não, não...
Ela - Bem, demora o tempo que quiseres mas não te arrisques a chegar depois de mim.
Eu - Então diz-me a que horas sais de casa...
Ela - Não digo nada. Não sei bem, por isso não digo. Só digo que não podes chegar depois de mim, senão fico sozinha numa mesa e não gosto.
Eu - Se chegar eu antes, fico eu sozinho numa mesa...
Ela - Claro, que é para eu não ficar.
Eu - Ah!
Ela - É preciso explicar tudo...
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pensamentos catatónicos (268)
Outra coisa que parece é que é fácil mas a sério que também não é. O verbo querer é um dos piores para quem Ama, porque é no Amor que queremos tudo e nada ao mesmo tempo. Acho que é por isso que as pessoas gostam de ir às compras. Para se conseguir o que se quer nas compras basta ter dinheiro. Para se conseguir o que se quer no Amor não há nada que baste. A não ser, talvez, a imensa sorte de Amar alguém que compreenda isto. Compreendem?
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1.04.2012
conversa 1870
Ela - O meu marido nunca percebeu muito bem o que eu queria realmente dizer quando lhe dizia que o Amava.
Eu - E querias dizer o quê? Não era que o Amavas?
Ela - Não, claro que não.
Eu - Ui! Então era o quê?
Ela - Que naquela altura me sabia bem estar com ele.
Eu - Não me digas, por favor, que as mulheres são todas como tu.
Ela - A maior parte são, acho eu.
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a última sessão
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1.03.2012
conversa 1869
(ao telefone)
Eu - Temos que beber um copo um dia destes.
Ela - Dizes sempre isso mas depois nunca convidas.
Eu - Por acaso tens razão, admito que sim...
Ela - Se não me telefonares para sair neste fim de semana, nunca mais falo contigo.
Eu - Não me digas que eras capaz de deixar de falar comigo só por eu não te telefonar este fim de semana.
Ela - Está bem.
Eu - Está bem o quê?
Ela - Não digo.
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batatas fritas
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1.02.2012
conversa 1868
Eu - Acho que gostava de assistir a uma mudança política para a esquerda que pusesse um fim definitivo à pobreza e à miséria. E tu?
Ela - Bem... com essa resposta até perdi a vontade de dizer...
Eu - Vá lá, diz lá...
Ela - Eu estava a pensar que gostava que me crescessem as mamas um bocadinho.
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coisas que fascinam (137)
Está tudo bem. Encho um copo de água e encosto-me ao parapeito da janela de onde, dissimulado por um cortinado amarelecido, vejo a minha paisagem de todos os dias como se fosse a primeira vez. É que há dias assim, em que todas as mulheres que passam são o que nós imaginamos. É a vantagem de lhes perceber apenas o vulto que a distância dum quinto andar permite. E eu imago-te a ti em todas elas.
A passagem dum ano é a mesma coisa que a passagem doutro dia qualquer. Vem a noite e depois a manhã outra vez. A única diferença é que por qualquer motivo há mais pessoas a fazer promessas a si mesmas. A partir de agora não bebo mais, a partir de agora vou correr para o jardim da cidade, a partir de agora vou ser feliz ou a partir de agora outra coisa qualquer. Eu prometi que a partir de agora vou olhar para ti todos os dias como se fosse a primeira vez.
Está tudo bem. O copo de água vai a meio e ouço-te entrar. Bateste a porta com mais força do que o habitual e eu sei que foi para avisar que chegaste. Sei também que até te encontrar tenho que passar pelo corredor comprido que liga o quarto à entrada. São cerca de três ou quatro segundos, o suficiente para amarrotar todas as preocupações que tenho como se fossem folhas finas e mandá-las para um escondido escaninho da minha memória. É assim que te vejo pela primeira vez todos os dias, é assim que me percebo apaixonado por ti. É assim que te desejo bom ano.
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