10.28.2011

conversa 1842

(no café)

Eu - Vou adoptar um gato.
Ela - Tu?!
Eu - Sim.
Ela - Mas não foste tu que me disseste uma vez que nunca adoptarias um animal?
Eu - Fui, mas agora pensei bem e mudei de ideias.
Ela - Às vezes é melhor ter um animal em casa do que um homem.
Eu (silêncio)
Ela - Que foi? Tira esse sorriso estúpido da cara.
Eu - Bem... admito que te imaginei a...
Ela - A quê?
Eu - A fazer coisas esquisitas com animais.
Ela - És um depravado.
Eu - Eu?! Tu é que te puseste a dizer que é melhor ter um animal em casa do que um homem.
Ela - Realmente... deve ser melhor ter um animal em casa do que um homem como tu, pelo menos.

pela noite dentro

Logo à noite estarei no Pitch Club, na cidade do Porto, a acompanhar como Vídeo Jockey a fabulosa dupla de dj's chamada Retro Boys. Na segunda-feira, véspera de feriado, a dose repete-se no Mercado Negro, em Aveiro.

uma exigência


Uma das piores coisas que já me aconteceram na vida foi perder os meus amigos. Alguns perdi porque já morreram, outros perdi porque simplesmente deixei de os ver da forma mais violenta possível. Um dia disse-lhes "até amanhã" e nunca mais lhe pus a vista em cima. Não foi de propósito, mas o tempo fez com que isso acontecesse.

A diferença entre perder um amigo e perder um Amor é que perder um Amor dói mais no início, perder um amigo dói mais depois. Perder um Amor é levar uma sova, perder um amigo é empobrecer devagar. A razão é simples. O Amor tem um lugar que pode ou não estar ocupado. Quando esse lugar está desocupado, sentimo-nos mal e procuramos ocupá-lo. Para a amizade não há lugares nem numerus clausus, o que faz dum amigo alguém que não podia ser outra coisa senão isso mesmo. É que um Amor ocupa espaço, uma amizade não.

Acho que foi por isso que, com a idade, passei a exigir Amizade ao Amor. Por muito que ele estrebuchasse, e fê-lo várias vezes, se não viesse dividir uma garrafa de vinho e uma conversa comigo de vez em quando, acabava por deixá-lo. Por isso é quando a semana passada a Raquel me disse que tem a sorte de namorar com um amigo, eu pensei que não é sorte. É uma exigência da idade. Ainda bem.

10.27.2011

dia de acordar tarde

Adoro acordar tarde. A primeira sensação que tenho é a de que o mundo já se levantou, foi trabalhar e deixou-me a dormir depois de me aconchegar os lençóis. Quando acordo tarde tenho a sensação que o mundo pensou em mim, mesmo que não o tenha feito, e agradeço-lhe enquanto me espreguiço. É como se ele tivesse dito a todas as pessoas do mundo: "chiu! não façam barulho que ele ainda está a dormir".
É por isso que todas as pessoas que se Amam deviam ter um dia por semana para ficar na cama até mais tarde, e não estou a falar dos Sábados ou dos Domingos. Esses não contam, porque é quando o mundo está de folga e não pensa em ninguém. Aliás, nesses dias também ele acorda sempre um bocadinho depois da hora normal. Estou a falar duma terça ou quinta-feira, por exemplo, dias em que o mundo trabalha. Já o estou a imaginar a dizer-nos a todos: "chiu! deixem-nos em paz esta manhã que eles estão apaixonados".
A única coisa melhor do que poder acordar tarde sozinho, aliás, é poder acordar tarde sozinho ao lado de quem se Ama. Ter tempo para ir à cozinha fazer-lhe o pequeno-almoço, ter tempo para fazer Amor e depois ficar a olhar para o insecto que esvoaça no tecto, ter tempo para ler duas ou três páginas dum livro, ter tempo para entrelaçar as mãos e as palavras. Enfim, ter tempo para viver como se o mundo nos permitisse sempre Amar na sua plenitude.
É claro que quem nunca Amou na vida não percebe isto, e talvez por isso considere justo que as pessoas devam trabalhar mais meia-hora por dia para resolver a crise económica. Tenho uma má notícia: não resolve. Aliás, basta pensar que há anos e anos que as pessoas trabalham demais e estamos em crise na mesma. Fico à espera do governo que institua nas empresas o Dia de Acordar Tarde. Mesmo que não resolva a crise económica, resolve a outra. A de termos pouco tempo para Amar.

10.26.2011

conversa 1841

Ela - Nem quero acreditar que o meu ex-marido anda a comer a minha melhor amiga.
Eu - Qual é problema? Ele não é o teu ex-marido?
Ela - É o meu ex-marido, sim. E agora ela também é a minha ex-melhor amiga.
Eu - Não me digas que te vais chatear com ela só por causa disso.
Ela - Não é que me vá chatear, mas nunca mais lhe falo. Nem a ele.
Eu - Mas qual é o teu problema?
Ela - O meu problema é tudo o que eu lhe contei a ele sobre ela e a ela sobre ele. Imagino o que agora devem dizer um ao outro sobre tudo isso. E ainda há pior...
Eu - Pior?
Ela - Sim. Era a ela que eu contava quais eram as maiores taras sexuais dele.
Eu - Ei! A tua melhor amiga conhecia as taras sexuais do teu marido e meteu-se com ele mal te divorciaste?
Ela - Sim. Achas normal?
Eu - Sei lá o que é que eu acho. Quero é saber quais são essas taras...
Ela - Achas que te vou contar?! Essas coisas só se contam às amigas...

10.24.2011

conversa 1840

Ela - Sinto-me um bocado desiludida.
Eu - Porquê?
Ela - Dei uma nega a um gajo que me convidou para sair e ele não insistiu mais.
Eu - Mas... se querias sair com ele, porque é que lhe deste a nega?
Ela - Para ter a certeza que ele queria mesmo sair comigo.
Eu - Que tolice! A mim, sempre que me deram negas nunca mais insisti...
Ela - A sério?
Eu - A sério, para não fazer figura de urso.
Ela - E agora? O que é que eu faço?
Eu - Agora convida-o tu, se quiseres.
Ela - Isso é que não.
Eu - Porquê?
Ela - Para não fazer eu figura de ursa.

pensamentos catatónicos (262)

as estações do ano

Ouvi esta semana uma mulher queixar-se do tempo. Dizia ela que os dias ainda pareciam de Verão apesar do Outono ter chegado há um mês. O tempo é um dos nossos melhores amigos, já que nos queixamos dele por tudo e por nada. Queixamo-nos quando está bom tempo e era suposto estar mau, queixamo-nos quando está mau tempo e era suposto estar bom. Até nos queixamos quando o tempo está assim assim, porque é suposto nunca estar. Hoje choveu e por coincidência tornei a vê-la no  mesmo café. Estava a queixar-se da chuva intensa. Enfim, o tempo é como o Amor. Nunca está como queremos mesmo que esteja bom.
Tem piada, porque o maior problema do Amor é precisamente esperarmos que ele seja como as estações do ano: que surja a dias certos. É por isso que se diz dum homem feito, aquele que já estudou tudo o que tinha para estudar, que está na altura de ir trabalhar, arranjar casa, carro e casar. Como se houvesse uma altura para um homem se apaixonar. Não há, ou melhor, até há mas é a vida toda. Por isso é como se não houvesse.
Não sei quantas pessoas das que já morreram neste mundo desperdiçaram a vida por causa desta mania, mas tenho a sensação que foram muitas. Talvez a maior parte. Eu diria que todas aquelas que casaram no dia certo porque tinha que ser, e depois acabaram os dias a pensar como seria ter vivido com outra pessoa qualquer. Enfim, a queixarem-se do tempo que nunca chega a horas certas...

10.21.2011

conversa 1839

(por sms, depois de eu ter desligado o telefone)

Ela - Não atendes o telefone?
Eu - Estou afónico.
Ela - Podias ter dito.
Eu - Estou afónico. Não posso dizer nada.
Ela - Preciso falar contigo. Hoje podes passar em minha casa?
Eu - Estou afónico. Não posso falar.
Ela - Não preciso que fales. Falo eu e tu ouves.

10.20.2011

conversa 1838

(à saída do café)

Eu - Eu levo-te a casa.
Ela - Detesto que te ponhas com essas coisas de machista.
Eu - Que coisas?
Ela - De levar-me a casa. Posso ir muito bem sozinha e quero ir sozinha.
Eu - Ok, até à próxima então.
Ela - Só se quiseres ir lá a casa beber mais uma cerveja, para acabar a noite...
Eu - Isso não quero. Estou muito cansado.
Ela - Pronto, então está bem. Podes levar-me só à porta. Mas é uma excepção.

adormecer

Eu sei porque é que as janelas dos prédios da cidade tilintam durante um segundo. São as pessoas a chegar aos quartos que as acendem apenas para localizar a cama. Fico a olhar para elas, as janelas, que no horizonte se tentam dissimular no céu estrelado, com a consciência de que me mantenho acordado enquanto todos os outros se estão a deitar. Uns para dormir, outros para se aconchegarem em quem Amam. Menos eu.
Tiro a rolha a uma garrafa e ponho dois copos na mesa em frente ao sofá. Um para mim, outro para quem eu sei que não vem. Tenho esta mania de me deitar depois da cidade, nos dias em que estou sozinho, só para poder beber um copo com ela sem que ninguém nos espreite. Falo com ela sobre o dia, com o doce incentivo do vinho. Depois, às vezes, adormeço ali no sofá, aconchegado também em quem Amo e não está lá.
Amanhã ela vai-me telefonar de manhã e perguntar-me porque é que estou com a voz cansada. Dir-lhe-ei que me deitei tarde sem lhe conseguir explicar porquê. Mas é por isso, por não saber adormecer quando ela não está.

10.19.2011

conversa 1837

(na casa dela)

Eu - Tenho que ir embora. Amanhã tenho consulta de manhã.
Ela - Oh! Não vás.
Eu - Tenho que ir, ando a sentir-me doente. Além disso é lixado marcar uma consulta no serviço nacional de saúde e não aparecer. Outra pessoa podia ter ido em minha vez...
Ela - Telefona para lá e diz que não podes ir porque estás doente. Eles não levam a mal.

pensamentos catatónicos (261)

tempo é dinheiro?


Desde criança que ouço dizer que o tempo é dinheiro. Quer isso dizer que o tempo que se pode gastar a ganhar dinheiro é tempo que não se deve gastar a fazer mais nada. Tem piada, porque embora eu nunca tenha gostado dessa frase, acho foi nisso mesmo que nos tornámos. Falo de nós todos, Homens, cuja maioria defende com unhas e dentes que se deve sofrer em nome do bem estar da Economia.
Eu acho que a Economia é que nos tem que servir a nós, e por isso inverto por impulso a ordem da frase. Acho que o dinheiro é que é tempo. Tenho a tendência para tentar transformar o pouco dinheiro que tenho em tempo, em vez de transformar o meu tempo em dinheiro. Não o faço tanto quanto gostaria, claro, mas isso é porque tenho que comer qualquer coisa.
Fico sempre desiludido nos dias de eleições, não apenas por os portugueses terem a mania de escolher para seus governantes pessoas em que eu não acredito minimamente, mas principalmente por perceber que a grande maioria de nós não dá importância nenhuma ao tempo, ou seja, à vida. Por exemplo, actualmente, parece que é legítimo vivermos menos para conseguir pagar uma dívida que ninguém percebe bem como é que cresceu tanto. A crise não é apenas essa dívida, portanto. A crise é que ninguém gosta de viver. A maior parte das pessoas que votam nos partidos do poder são pessoas tristes, e isso causa-me tristeza a mim.
Por dedução se percebe facilmente que abdicar do tempo em nome do dinheiro implica Amar menos. Muito menos, e talvez por isso a solidão cresça a olhos vistos entre essa mania estúpida. É uma pena, porque se não fôssemos assim, estúpidos, podíamos definitivamente viver mais e melhor. Todos nós.
Uma certeza que tenho é que um dia vou morrer. Quando isso acontecer espero ter conseguido transformar o meu dinheiro no máximo de tempo possível. Isso quer dizer que Amei o mais possível também. O resto: a dívida que os bancos nos impingiram, a história da formiga que trabalha no Verão para poder comer no Inverno e o provérbio que diz que tempo é dinheiro... que se fodam!

10.18.2011

conversa 1836

Ela - Gostava de ter um marido que me dissesse que me Ama.
Eu - O teu não te diz?
Ela - Sim, às vezes até diz.
Eu - Estás a ver?!
Ela - Reformulo o meu desejo. Gostava de ter um marido que de vez em quando me dissesse que me Ama, não apenas quando quer jogar consola e me trata bem para ver se pode ficar com a televisão só para ele.

a árvore

Uma vez disse-lhe que a Amava. Assim, numa só palavra que no segundo seguinte já se tinha esfumado. Amo-te. E ela ficou a olhar para mim quieta, num estado que percebi ser de análise e igual ao do lobo que estuda a presa. Arrependi-me imediatamente de o ter feito.
As palavras não chegam para nada, muito menos para definir um Amor. São intocáveis e efémeras. É por isso que quando duas pessoas se Amam também se calam. Até costumam apagar a luz, para o silêncio ser ainda maior. Mas eu disse-lho com a luz acesa. E ela, a mulher, apagou-se.
Estávamos numa pastelaria. Eu a tomar café e ela a beber um chá. Eu bebi o meu num só gole, que queria sair dali o mais depressa possível. Ela demorou muito, acho eu que de propósito, e foi quando reparei nos dedos dela a abraçar a caneca. Eram bonitos, os dedos. Repete o que disseste, pediu ela. Eu recusei. Arrependi-me imediatamente de o ter feito.
Caminhámos pela cidade sem direcção. Eu sempre com vontade de a abraçar e ela sempre dois passos à minha frente. Estava frio mas eu tinha calor. Parámos debaixo duma árvore que, para meu alívio, já devia ter ouvido milhares de conversas de Amor. Não ia dar importância a mais uma. Disseste que me Amavas? Perguntou. Sim, respondi abanando os ombros como se assim pudesse enxotar o nervoso. Como é que me podes Amar se mal me conheces? E eu calei-me, não por não ter resposta mas sim por ter demasiadas respostas.
Hoje passei nessa árvore e parei dois segundos a olhar para ela. Ainda tem folhas, apesar de estarmos no Outono. Talvez não lhe apeteça despir-se. Depois disse-lhe, para o caso de lhe apetecer ouvir, que sim, que podemos Amar uma pessoa que mal conhecemos. A mim aconteceu-me e já lá vão três anos. É tão certo como podermos não Amar uma pessoa que conhecemos bem. Acho que ela se riu, não tenho a certeza.

10.14.2011

conversa 1835

Ela - Porque é que raio as bonecas insufláveis têm sempre a boca arredondada e aberta?
Eu - Estás a perguntar isso a sério?
Ela - Estou, claro. Se elas não podem falar, para que é a boca aberta?
Eu - Estás a gozar comigo.
Ela - Não estou nada. Diz-me.
Eu - Há mais coisas que se fazem com a boca durante o sexo para além de falar.
Ela - Tipo o quê?
Eu - Tipo sexo oral.
Ela - Não!
Eu - Não o quê?
Ela - Não acredito que os homens fazem sexo oral com uma boneca de plástico. Depois para onde é que vai o esperma?
Eu - Se não usares preservativo, vai para a boca. O melhor é lavá-la.
Ela - Já fizeste isso?
Eu - Não, nunca tive nenhuma boneca insuflável.
Ela - Então como é que sabes isso tudo?
Eu - Tipo, vejo uma boneca que é vendida com fins sexuais de boca aberta e não preciso pensar muito.
Ela - Sempre pensei que algumas bonecas insufláveis tivessem uma gravação, assim como alguns bonecos para crianças também têm...
Eu - Se calhar até há. Não sei... e a gravação diria o quê?
Ela - Diz-me que me Amas, diz-me que me Amas!
Eu - Agora sou eu que não acredito.
Ela - Não acreditas em quê?
Eu - Achas que uma boneca insuflável devia dizer "diz-me que me Amas, diz-me que me Amas" ?!
Ela - Só para chatear.

10.13.2011

respostas a perguntas inexistentes (183)

Às vezes, só às vezes, parece-me que o mundo se divide em pessoas que Amam e pessoas que não Amam.
Isto porque tenho uma amiga que não Ama, e quando digo que não Ama é porque não o faz nem o quer fazer. Convida-me de vez em quando para ir a casa dela beber um chá e conversar um bocado, mas nunca sai nem quer sair de casa. E fico ali, horas a fio, a assistir ao seu ar felino de quem não precisa de ninguém.
Muitas vezes, mesmo muitas vezes, ainda estou a limpar os sapatos e já estou também a perguntar-lhe se está tudo bem, assim como quem não quer a coisa e na esperança de que ela me diga que não. Quero que ela me conte uma desilusão de Amor qualquer, só para lhe sentir vida. Mas até hoje nunca o fez. Responde sempre que sim, que está tudo bem.
Quando comecei a namorar passei em casa dela e levei uma garrafa de vinho. Esperava que ela, ao saber da minha novidade, finalmente levantasse o véu sobre qualquer coisa que eu desconhecesse. Uma antiga paixão de adolescência, um Amor proibido ou mesmo um beijo solitário qualquer.

- Conheci uma mulher de quem estou a gostar bastante! - disse-lhe eu lançando o isco.
- Óptimo. - respondeu ela enquanto abria a garrafa e fechava a conversa.

Ontem perguntei-lhe, depois de ganhar finalmente coragem, o que é que faz uma pessoa que passa a vida a não Amar. Ela respondeu-me, para meu grande alívio, que faz o mesmo que as outras pessoas todas mas sem o dividir com ninguém. Percebeu a minha pergunta e percebeu que era sobre ela que eu falava. Menos mal.
Tinha-me feito um chá qualquer com alguns sabores exóticos, que me sabiam bem mesmo sem eu lhes conhecer o nome. Peguei neles como se pega num ingrediente qualquer essencial da vida e disse-lhe que, se eu soubesse fazer um chá assim, ia querer dividi-lo com alguém muito especial na minha vida.

- Estou à espera de encontrar um homem como eu. Um homem que queira estar sempre só, para poder dividir a sua solidão comigo. A minha solidão é a única coisa que eu posso dividir com alguém.

Fiquei a olhar, através da janela, para as luzes das ruas que se estendem até ao mar, a ver se encontrava nelas a resposta que não me nascia nos lábios. Desarmado, ia tentar explicar-lhe isso mesmo, que é ali nas ruas da cidade que está essa resposta. Mas ela, com o ar mais natural do mundo, pegou na minha caneca vazia e perguntou-me se eu queria mais chá.

10.11.2011

conversa 1834

Ela - O que é que andas a ler neste momento?
Eu - Ando a ler o Mau Tempo no Canal, do Vitorino Nemésio. E tu?
Ela - Eu andava a ler Saramago mas interrompi porque quero comprar algumas mobílias...
Eu - Não percebo.
Ela - Substituí o Saramago pelo catálogo do IKEA.

10.10.2011

conversa 1833

Ela - Estou tão cansada do meu casamento. Acho que já não há mesmo Amor entre mim e o meu marido...
Eu - Não é caso único, diria eu. Já falaste com ele sobre isso?
Ela - Ontem disse-lhe que gostava de o Amar e gostava que ele me Amasse...
Eu - E ele?
Ela - Ele perguntou onde.
Eu - Perguntou onde?
Ela - Sim. Tive que lhe explicar que gostava que ele me Amasse e não que ele mamasse.
Eu - Ah!
Ela - É desesperante.
Eu - Pois...

coisas que fascinam (134)

o Chico das Bicicletas

Quando eu era criança só existiam duas oficinas de bicicletas em Aveiro. Uma era a do Zé Gordo das Bicicletas, outra era a do Chico das Bicicletas. Eu ia sempre à do Chico das Bicicletas, por ser mais perto da minha casa, e aquilo nunca me pareceu um verdadeiro negócio. Ele alinhava-me a direcção, enchia os pneus e afinava os travões sempre de graça. Para mim, na minha ingenuidade de criança, era normal ele fazer isso sem cobrar, até porque com sete ou oito anos eu nunca tinha dinheiro no bolso.
O Chico das Bicicletas já tinha morrido quando em adulto pensei nele como uma pessoa boa, uma pessoa daquelas que arranja bicicletas a uma criança e recebe em pagamento apenas o seu sorriso. Tenho pena de nunca lhe ter agradecido ter-me proporcionado uma infância um bocadinho melhor, e se ele hoje fosse vivo era o que eu fazia. Dava-lhe um abraço do tamanho do mundo e dizia-lhe obrigado.
Nessa altura andava de bicicleta por motivo nenhum, e esse é o melhor dos motivos para andar de bicicleta. Agora faço-o para manter o peso e alguma resistência, mas quando era pequeno dizia à minha mãe que ia lá para fora andar de bicicleta e pronto, ia sem motivo aparente. Lembro-me que às vezes, muitas vezes mesmo, fingia que era uma mota e fazia vrruuuummmm vrruuuuuummmmm com a boca enquanto pedalava. Acreditar nas nossas próprias mentiras é uma capacidade que só temos enquanto somos crianças. Depois, quando crescemos, perdemo-la, principalmente com os primeiros desgostos de Amor. Aliás, acho que foi por isso que muito cedo a minha bicicleta passou a ser apenas isso mesmo, uma bicicleta.
Os desgostos de Amor têm a mania de transformar o mundo nele mesmo, tal como ele é, ou seja, de o transformar totalmente. São um serial killer dos nossos sonhos. Lembro-me, por exemplo, de em fases deficitárias de paixão deixar de atravessar as passadeiras como se fossem um jogo, colocando os pés apenas nos riscos brancos para não perder. Atravessar a estrada passava a ser apenas isso mesmo: atravessar a estrada. É o que faz a falta de paixão, mostra-nos o mundo como ele é, e eu não gosto de simplesmente atravessar a estrada.
O sinal vermelho deve ter demorado cerca de um minuto a passar para vermelho. Foi esse o tempo que eu estive a olhar para outra mulher à minha frente, que depois atravessou a rua no sentido oposto ao meu. Aconteceu-me hoje e ela sorriu-me quase por impulso, tal como eu. Depois não olhei para trás e ela quase de certeza que também não. Era apenas alguém que sabe transformar as coisas que são naquilo que devem ser. Há pessoas assim, o Chico das Bicicletas era uma delas.
Quase ninguém sabe porque é que Ama alguém, mas eu acho que é essencialmente por isso. Porque esse alguém nos permite viver noutro mundo que não este. Constantemente. É por isso que eu Amo a Raquel, e é por isso também que esta é a minha homenagem a esse homem que fez parte da minha infância.

10.07.2011

pensamentos catatónicos (260)

um homem não chora

É difícil ser homem e toda essa dificuldade vem do simples facto de existirem mulheres. É que sem elas nem sequer vale a pena sê-lo. É mesmo assim, por muito que não se queira. Mas no meu caso até quero, embora admita que é por não saber mais. Não sei ser homem só por si. É isso, pronto.
Às vezes as mulheres entristecem-me. É raro, felizmente, mas acontece. É nessa altura que faço o enorme esforço de imaginar o mundo sem elas e é nessa altura que me calo. Chatear-me com elas é chatear-me com o ar que respiro, ou seja, com aquilo que existe porque tem que existir. Calo-me perante o que me é essencial e penso que um homem não chora.
Um homem, em abono da verdade, até chora, mas passa a vida a fingir que não. Não chorando parece que se é mais forte. As mulheres são realmente mais fortes e por isso choram à frente de toda a gente. Não fingem nem têm que fingir nada. O fingimento é uma característica dos mais fracos e essa é outra dificuldade de se ser homem, ter que se fingir que não se chora. Quando penso nisso apetece-me chorar.
O choro das mulheres é diferente do choro dos homens por isso mesmo. A elas fortalece-as, a eles enfraquece-os. São elas que dizem coisas do género "estava a precisar de chorar" ou "já chorei, por isso já estou melhor". Eles, quando choram, dão-se conta surpreendentemente de que afinal são frágeis e choram ainda mais.
É difícil ser-se frágil quando se deve supostamente ser forte, e tenho a certeza que é bem melhor ser-se forte quando se deve supostamente ser frágil. Os homens são frágeis pelos simples facto de existirem mulheres. É que sem elas nem sequer vale a pena sê-lo.

respostas a perguntas inexistentes (182)

um bocadinho
Ela dizia que gostava do meu café, aquele que eu fazia numa cafeteira velha herdada da minha avó. Sentava-se na mesa da cozinha com um cigarro na mão, ansioso por ser fumado, à espera que eu lhe enchesse a caneca estalada. Depois bebia-o em goles tão pequenos que me parecia impossível que um dia chegasse ao fim. Mas chegava sempre. E como eu sabia que o meu café era igual a qualquer outro, acreditava que o que ela queria dizer era que gostava um bocadinho de mim.
Quando não estamos apaixonados por outra pessoa mas gostamos um bocadinho dela, dizer que gostamos do café que ela faz é uma maneira de lhe agradecermos a existência. Assim, sem assumir uma responsabilidade demasiado grande pelo que se diz. E eu respondia-lhe sempre que o café era bom, não por minha causa mas por causa da cafeteira da minha avó. Depois ela ia fumar para a varanda e eu ficava dentro de casa, encolhido pela evidência de ter conhecido mais uma mulher que gostava um bocadinho de mim e de quem, na verdade, eu também só gostava um bocadinho.
Depois duma separação nunca se gosta muito de alguém. Gosta-se um bocadinho, aqui e ali, num processo terapêutico lento para que um dia se consiga Amar outra vez. Foi essa a importância da Márcia, que também se tinha divorciado pouco tempo antes e também estava de férias quando a conheci. Eu estava parado na margem duma estrada qualquer a encher-me do silêncio dum rio e ela veio do nada pedir-me água para lavar as mãos. Colocou-as em concha e eu verti generosamente da que estava a beber. Esfregou-as uma na outra com vivacidade e depois sentou-se ao meu lado. Ficámos ali algumas horas a cuspir palavras sobre nós, como se quiséssemos dizer quem éramos sem contar o que nos tinha acontecido.
Gostei dela nesse dia e nos dias que se seguiram. Um bocadinho só, mas gostei. Por isso é que lhe fiz café.

10.06.2011

mesmo antes duma coisa qualquer

Diz-me quem Amas, dir-te-ei quem és. Foi o que ela lhe disse, numa ordem que estranhamente lhe pareceu doce, para fazer enquanto abria a garrafa de vinho... [para ler no site amulher.com]

10.04.2011

conversa 1832

(ao telefone)

Ela - O meu marido disse-me que há uma miúda lá do escritório que anda interessada nele. Mas eu não acredito, acho que é só ele a tentar fazer-me ciúmes.
Eu - Porque é achas isso?
Ela - Quem é que raio se ia interessar pelo meu marido? Ele não tem interesse nenhum...

10.03.2011

o dedo do meio

Há várias formas de usar o dedo do meio. Para a Upyurs, pelos vistos, fazê-lo significa sempre ser auto-confiante. Pelo menos é o que revela esta publicidade. Por razões que me parecem mais ou menos óbvias, este gesto parece-me ter uma conotação com o género masculino. O verniz para as unhas, tanto quanto sei, é essencialmente usado por mulheres. Aqui está uma marca, portanto, que acha que uma mulher auto-confiante é aquela que adquire hábitos masculinos.
Eu discordo totalmente. O dedo do meio é o argumento de quem não sabe argumentar (e se calhar também aí seja um gesto tendencialmente masculino), de quem não se consegue expressar doutra forma. É a linguagem gestual de quem é mudo na Razão. Por isso mesmo, aliás, é que é fácil encontrá-lo nas claques de futebol. Não me parece que uma mulher que usa verniz nas unhas tenha que ser assim. Mas pronto, isso sou eu.

respostas a perguntas inexistentes (181)

fiatlux
Não me esqueço de ninguém nem de nada. Está toda aqui na minha cabeça, a minha vida e a pessoas que fazem ou fizeram parte dela, por um segundo que tenha sido. Basta-me um sinal qualquer e recordo uma situação antiga como se fosse hoje. Vivo-a, portanto. Ainda bem.
Há muito tempo que não faltava a luz em minha casa, um apartamento perdido entre tantos outros nos subúrbios de Aveiro. Desta vez fiquei às escuras e fui procurar a lanterna que funciona a energia solar. Encontrei-a rapidamente, que por ser solar está sempre numa das janelas a olhar para o Sol. Depois, sentado no sofá da sala, pus-me a brincar com as sombras dançantes ao som do tímido foco de luz, recordando simultaneamente outras sombras, aquelas que dançavam nas paredes da casa onde cresci.
A minha mãe tinha sempre velas num armário da cozinha. Quando faltava a luz acendia várias, umas na outras sucessivamente para poupar nos fósforos, e colocava-as em sítios estratégicos para que fosse possível caminhar. Uma na casa de banho, outra na entrada, outra na sala e outra na cozinha. Normalmente sobravam sempre duas ou três volantes. Eram essas as únicas noites em que o televisor se calava e as palavras se tornavam o mais importante. O meu pai a dizer que quando era criança era sempre assim, a noite e um candeeiro a petróleo; o meu avô a confirmar com uma saudade que eu não percebia mas sentia; a minha mãe a chamar constantemente pelos filhos todos, como se eles se pudessem perder na escuridão que povoava o apartamento.
Há muito tempo que eu não conversava assim com ninguém. Só que agora sou adulto, e à falta do meu pai e da minha mãe conversei comigo mesmo. Não estava mais ninguém em minha casa, mas na verdade também não me tenho feito muita companhia às claras. Talvez por falta de tempo, o tempo que apareceu num corte da energia eléctrica. No nada.
Foi assim, ou quase sempre assim, que me nasceu nos lábios a palavra Amor. No minimalismo da noite, digo. Sem televisor, sem música, sem livros. Às vezes também sem roupa. Os ambientes estéreis são os mais fecundos para a palavra Amor, pensei. Como se a paixão fosse um oásis qualquer. É assim contigo, por exemplo, que quando estás comigo o mundo é um deserto árido.
Depois fez-se luz.