6.30.2011

respostas a perguntas inexistentes (163)

temperatura

Ser morno é uma merda. Não sei dizer isto doutra forma. Posso estar errado, claro, mas é o que eu acho. Acho também que são as pessoas mornas que dizem mal do divórcio.
As pessoas que se divorciam ficam normalmente tristes, mas depois ficam felizes outra vez. A felicidade que volta é normalmente mais do dobro da tristeza que se sentiu antes. As pessoas que não se divorciam, pelo menos algumas delas, não são felizes apesar de também não serem tristes. São mornas, e por isso têm alguma inveja tanto da felicidade como da tristeza que vêem nas pessoas que acabam uma relação para tentar outra. Um divórcio é, aliás, apenas isso. Tentar ser feliz outra vez.
Não estou a defender o divórcio, estou a defender o Amor a sério. Aquele que nunca é morno. É que o Amor a sério não pode ser só felicidade. Tem que ser também tristeza. Acho que todas as pessoas sabem isso, mesmo que algumas não o admitam e se refugiem numa vida tão morna quanto a temperatura do corpo.
Quando alguém me diz que é feliz no casamento, posso acreditar ou não. Normalmente é pela temperatura da frase que tiro as minhas conclusões. Se a frase for quente acredito, se a frase for morna não acredito. Quando alguém me diz que é triste no casamento acredito sempre, porque a frase é sempre fria. Mas não tenho pena. Quem o diz de certeza que tem a capacidade de vir a ser feliz mais tarde ou mais cedo.
"A minha mulher excita-me!" é uma frase quente. "Tenho conseguido manter um casamento feliz ao logo destes quinze anos" é uma frase morna ou, se preferirem, uma frase de merda. "O meu casamento é um nojo" é uma frase fria. É tudo uma questão de temperatura. Todos sabemos isso.

conversa 1795

Ela - Ando triste e não consigo enfrentar isto sozinha.
Eu - Mas fazes alguma ideia do motivo pelo qual andas triste?
Ela - Não. Pode parecer bizarro mas não faço...
Eu - Não acho bizarro. A tristeza não tem sempre uma explicação óbvia.
Ela - Preciso é que o meu marido e o mundo me ouçam, acho eu.
Eu - O teu marido e o mundo?
Ela - Sim, o meu marido e o mundo.
Eu - O mundo, portanto. O teu marido faz parte do mundo.
Ela - Pois faz, mas mesmo assim digo que é do meu marido e do mundo que preciso.
Eu - Tecnicamente é a mesma coisa.
Ela - Não é nada. Sinto-me sozinha apesar do meu marido, que só fala em trabalho e nos amigos dele. O mundo é outra coisa.
Eu - Ah! Percebo...
Ela - Às tantas afinal até faço ideia do motivo que me põe triste.
Eu - Pois...
Ela - Pois...

6.29.2011

respostas a perguntas inexistentes (162)

a insustentável palavra Amor

Márcia não gosta da insustentável palavra Amor, por isso foge dela abanando os ombros. Foi a vida que lhe ensinou que um abanar de ombros enxota a palavra Amor da mesma forma que o rabo duma vaca enxota as moscas. Elas afastam-se num voo errante, mas mal o rabo do ruminante acalma voltam a pousar nele como se não fosse nada. É o que faz António quando os ombros dela param. Torna-lhe a dizer que a Ama.
Márcia não gosta da insustentável palavra Amor por ser uma ilha, e enquanto António insiste no verbo Amar ela sente-se cada vez mais só, como se um mar imenso a cercasse até à linha do horizonte. Preferia que ele lhe sorrisse, a convidasse para sair daquele bar inundado de pessoas que apenas parecem felizes, a levasse a um lugar só deles e arriscasse dar-lhe a mão, depois um beijo e por fim um abraço. Podia ser na praia, por exemplo, mas António não sabe isso. Insiste que a Ama sem um contacto físico que sustente a palavra Amor.
A impaciência bate na desesperança dela como uma bola de ping pong. Desde que se conheceram, há mais ou menos duas semanas, que tem sido assim. Ele quer levá-la para a cama e não consegue porque pensa que precisa de um bilhete de entrada. Pior, pensa que a palavra Amor é essa entrada. Não é. Nunca é. Ela queria que ele fosse entrando devagar, como quem chega a uma casa estranha, limpasse os pés no tapete, pedisse licença para entrar e depois se sentasse no sofá da sala. Talvez ela lhe servisse uma bebida.

6.28.2011

conversa 1794

Ela - Gostaste de Marrocos?
Eu - Gostei muito de lá ir, sim. Se gosto ou não do país é outra questão mais complexa.
Ela - Pois, acho que os países e as mulheres são a mesma coisa para os homens em geral.
Eu - Porquê?
Ela - Gostam sempre de lá ir, mas se gostam mesmo a sério é sempre uma questão mais complexa.

coisas que fascinam (128)

apita o comboio

A China tem, pronto a estrear, o comboio mais rápido do mundo. Vai ligar Pequim a Xangai e fazer uma média de trezentos quilómetros por hora nos mais de mil que separam as duas cidades. Não gosto de viajar depressa por motivo nenhum, a não ser nas viagens que faço por Amor. Normalmente considero que o tempo em que estou sentado num avião, num comboio ou num autocarro é tempo que eu consigo que seja só meu. Posso ler, ouvir música ou simplesmente espreitar pela janela, mas esse tempo é sempre o meu tempo, em que aproveito de forma egoísta cada grão de areia dos que vão caindo na ampulheta da vida. Só tenho pressa quando quem eu Amo está à minha espera no fim do percurso, e aí suspiro de tédio porque a viagem me parece interminável.
Tenho a certeza que esta nova linha chinesa vai permitir que mais pessoas de Xangai e de Pequim se apaixonem. E pronto, era só isso.. ou pelo menos isso.

6.27.2011

respostas a perguntas inexistentes (161)

Acho que a maior parte das pessoas que sofre por Amor, sofre porque cai na esparrela de que o Amor só por si é uma coisa boa. Wrong! Só por si o Amor é uma coisa má. É que o Amor não se define por duas pessoas gostarem uma da outra mas sim por cada uma dessas pessoas querer que a outra se lhe dê, e ninguém gosta de se dar realmente porque somos a única que nos pertence de facto. Se nos damos ficamos sem nada, é uma verdade, e por isso damo-nos apenas a fingir. O Amor é isso: fingir que nos damos em troca do fingimento do outro.
Parece complexo mas não é. Torna-se simples na primeira discussão a sério, no primeiro olhar povoado por raiva, no primeiro abrupto bater de porta ou no primeiro pensamento do tipo "o que é que eu estou a fazer com esta pessoa?". É nesse momento que temos a certeza que o Amor é uma coisa má e que nunca realmente nos demos a ninguém.
Passei a ver o Amor como uma coisa boa quando lhe subtraí essa obrigação de me dar e também, sublinhe-se, de que alguém se me dê, substituindo a doação pelo empréstimo. Empresto-me com a total consciência que me pertenço, para que todos os dias me possa emprestar de novo como se fosse a primeira vez.

6.26.2011

Fedoua e Imran

Uma marroquina que nunca se achou bonita abriu-me a porta de casa. Escondia o seu corpo dentro da roupa larga, de um lenço no cabelo, do nó cego dos seus braços e por trás de palavras que a mascaravam de sorrisos ténues. A sua arma são os olhos, grandes e negros, que se movem para qualquer lugar onde surja ruído com a astúcia felina que até hoje só conheci em mulheres. Quando não há ruído, as íris atravessam-nos de um lado ao outro do corpo, despindo-nos a alma e revelando o que pensamos. E foi assim que ela me adivinhou, fechando ainda mais os braços de forma a esconder os seios. Para mim, por trás de uns braços em nó cego há sempre uma amargura qualquer.
A Raquel sorriu-lhe, como se um sorriso pudesse ser uma primeira ponte entre duas pessoas. E pode mesmo, pelo menos às vezes. A casa é uma mistura de aguarelas negras e das suas cores cativas, e eu dei um passo atrás escondendo-me numa mancha de negritude da mesma forma que um camaleão se esconde mudando a cor da pele. Mantive-me assim enquanto elas falavam sem eu entender o que diziam e até ela desfazer o seu nó. Quando o fez, o seu primeiro gesto com a mão direita foi pedir-me para me aproximar. E foi assim que conheci Fedoua, uma mulher que não se acha bonita.
Foi ela quem me disse, num tom de voz que eu entendi como se fosse um aviso, que uma grande parte da população de Marrocos olharia para mim e para a Raquel como se fossemos uma nascente de dinheiro. E avisou bem. Esse é, aliás, o lado mais feio do país, porque a busca do dinheiro dos turistas se disfarça duma simpatia e afabilidade hipócritas. Nas medinas de Fès e de Marraquexe, o que não falta são pessoas que acham que tudo tem um preço, até a simples indicação de um lugar. Entre muitos exemplos, um rapaz ofereceu-se para nos levar ao palácio Al Badi e fez com que nos perdêssemos naquele formigueiro excitado que é a cidade. Depois pediu-nos dinheiro para nos tirar dali. No nosso caso teve azar, que o mandei em bom português ir à mãe dele e saí dali sozinho, mas é nitidamente alguém habituado a ter sucesso a enganar estrangeiros. Exemplos deste sucedem-se minuto a minuto, e quem lá for tem que ir preparado para isso. Mas é injusto dizer que Marrocos é só isso, principalmente para os que não são isso.
Visitei Fès e Marraquexe (com passagens por Tanger, Rabat e Casablanca). Fès é sem dúvida a cidade mais interessante, tanto por ter poucos turistas como por ter a maior medina do norte de África (6000 quilómetros num labirinto medieval incrível), mas dentro dessa magia medieval está o choque cultural. Eu não acho que tudo deva ser aceite por questões culturais, e não gosto de ver cidades onde milhares de pessoas são anuladas perante a sociedade apenas por uma questão de género. Resumindo, não gosto de ver mulheres tapadas com temperaturas acima dos quarenta graus nem gosto do véu islâmico. Fedoua também não gosta, mas abana os ombros quando discutimos o assunto como se não encontrasse de facto uma explicação para o assunto.
A explicação encontrei-a em Imran, um amigo muçulmano que me recebeu com muito boa vontade em Casablanca. Concorda que as mulheres andem tapadas para que a sua beleza pertença apenas ao marido, acha que eu sou um homem muito bom porque aceitei namorar uma mulher divorciada (o facto de eu ser um homem divorciado já não lhe faz confusão nenhuma), segundo ele com pouco valor mesmo por isso, e que ainda por cima trabalha e quer ser financeiramente independente. Imran interrompeu uma tarde de praia para nos ir buscar à estação Casa Voyageurs, mostrou-nos quase toda a cidade no pouco tempo que tínhamos para a visitar, deu-nos dormida e comida nas suas modestas instalações e ainda nos pediu desculpa por não ter melhor. É das melhores pessoas que já conheci na vida, mas... e há sempre um "mas".
Visitei Fès, Rabat, Casablanca e Marraquexe. Marrocos é provavelmente uma das viagens mais fascinantes que já fiz e mesmo assim um país onde eu não queria viver.

6.19.2011

marrocos

Tenho viajado o mais possível com a Raquel, e comecei a fazê-lo pouco tempo depois de a conhecer. Por Portugal, pela Europa e por nós. Viajar é uma forma de fazer alguma coisa pela primeira vez com alguém, e o Amor está sempre a pedir primeiras vezes. É que sendo a primeira vez que se está num sítio com alguém, esse sítio passa a ser dos dois. Só.
Os sítios que visitamos têm essa capacidade de marcar um Amor como se marca um animal com um ferro em brasa. Para sempre. É por isso que quando se regressa a um local onde já se foi feliz com alguém, é mais desse alguém que nos lembramos do que do local em si.
Esta semana vou marcar a quente mais uma página da minha/nossa vida, já que é a primeira vez que vou andar por Marrocos. Regressarei apenas no próximo domingo e, como não levo o computador, a actualização deste blogue estará dependente das ligações à net que eu conseguir encontrar. Não conto, como é óbvio, passar muito tempo em frente a nenhum computador, mas se puder venho aqui dizer olá.

respostas a perguntas inexistentes (160)

Apetece-lhe voltar a Amar, e disse-me isso enquanto um fio de chá morno sangrava da chaleira nas suas mãos. Deu-me uma chávena e ficou com a outra, onde deu um gole tão pequeno que duvidei que lhe tivesse sequer sentido o sabor. Estava à espera que eu dissesse alguma coisa.
Há alguns anos, três ou quatro, revelou-me naquela mesma sala que o Amor já lhe tinha dado tantos dissabores que decidira desistir dele. Estar sozinha não seria tão mau assim, desde que conseguisse fazer companhia a ela mesma, e até tinha a vantagem de poder decidir tudo o que fazer com o seu tempo.
À data compreendi-a, mas sublinhei que entre compreender e concordar vai a distância de um oceano. Para mim, desistir de Amar quando estou só, é desistir de cada mulher que passa por mim na rua e isso é só impossível. Sempre que passo por uma mulher bonita, mesmo que finja não a ver, pelo menos durante uma fracção de segundo imagino-a como minha.
Agora apetece-lhe voltar a Amar, e repete-o já com a chávena quase vazia. Ela e eu. Pergunta-me se quero mais. Que não, respondo. Vamos sair e beber um copo por aí, insisto. Sair de casa é a primeira coisa que se deve fazer quando se que desistir da solidão. Imaginar os outros como nossos.
Vestiu o casaco, soltou o cabelo e perfumou-se. Saímos.

6.17.2011

conversa 1793

(ao telefone)

Eu - Até que enfim que atendes.
Ela - É que pus aquele mp3 que me mandaste por email como toque do telemóvel.
Eu - E o que é que tem?
Ela - O problema de ter um toque de telemóvel de que se gosta muito é que nunca me apetece atender.
Eu - Ah!
Ela - Para a próxima, quando eu não atender, deixa tocar mais tempo...

conversa 1792

Ela - Há homens que deviam ter mais cuidado com as mãos durante o sexo.
Eu - Com as mãos?
Ela - Sim, apalpar umas mamas não é a mesma coisa que apalpar uma daquelas bolas anti-stress.
Eu- Não?
Ela - Não.
Eu - Por acaso consigo estabelecer um paralelismo entre ambos os casos.
Ela - Vê lá se uso as minhas mãos para te dar uma chapada.

respostas a perguntas inexistentes (159)

o erro

Sem o ter percebido, acho que fiz este blogue para falar de Amor numa altura em que ele, escorregadio, me escapava das mãos. Falar de Amor é difícil porque nunca conseguimos dizer o que realmente queremos dizer. Falar de Amor é fácil porque, diga-se o que se disser, quem lê entende sempre alguma coisa, mesmo que não o seja dito. É aqui que começa a complexidade do Amor e é aqui que ela acaba, e foi esse começo e esse fim que eu sempre quis aqui pôr.

Este blogue fala de um erro, porque o Amor é sempre um erro que cometemos. Um desacerto constante na vida. Apercebi-me disso ou, na melhor das hipóteses, convenci-me disso aqui mesmo, quando me dei conta que todos os dias, mal ou bem, escrevia torto por linhas direitas. É isso que é o Amor, uma sinuosidade na recta da nossa vida.

Olho agora para esse tortuoso caminho com a distância que me permite vê-lo melhor, e essa distância é a de um homem apaixonado. Há um ditado que diz que quando o que queremos ver é grande, vemos melhor se nos afastarmos. O Amor é sempre grande, o desamor também. Apaixonemo-nos para os ver melhor. Cometamos esse erro que enruga a estrada que nos liga do dia em que nascemos ao dia em que morremos, e que nos parece sempre ser a menor distância possível entre dois pontos. É o melhor erro que podemos fazer. Não sei mais nada, mas isto sei.

6.16.2011

pensamentos catatónicos (253)

já não gosto mais de ti

Quando somos crianças e nos zangamos com alguém, a primeira ameaça que nos vem à cabeça é dizer-lhe "já não gosto mais de ti". Parece estúpido, até porque à partida ninguém consegue deixar de gostar de alguém de um momento para o outro e só porque sim. O problema é que consegue, e é o Amor que nos ensina isso. Num dia alguém diz que nos Ama ardentemente, no dia a seguir nem por isso. Temos razão enquanto somos crianças, e quando crescemos escondemos a nossa própria verdade. Talvez por uma questão de defesa da sanidade mental. Alguém não gostar de nós é normal, alguém deixar de gostar de nós é fodido. É por isso que o Amor é difícil e é por isso que é uma luta.

conversa 1791

Ela - Acabo por ter pena dos homens que têm várias amantes, umas às escondidas das outras.
Eu - Pena?!
Ela - Sim. Fui casada com um homem assim, sei bem do que estou a falar. Um homem que tem amantes é um incapaz de Amar, incapaz de ser feliz só com uma mulher e, por fim, incapaz de ser feliz também com mais que uma.
Eu - Ah! Percebo... mas também há mulheres que fazem isso.
Ela - Isso o quê?
Eu - Que têm uma vida dupla.
Ela - Pois há, claro. Mas as mulheres que o fazem não é por incapacidade de Amar um só homem, é por precisarem de mais Amor do que aquele que o homem dá.

6.15.2011

pensamentos catatónicos (252)

O Amor como se fosse água


Primeira verdade sobre a água: ela quer-se transparente. Segunda verdade sobre a água: é um bem escasso e finito. A primeira verdade é reconhecida por todos nós, a segunda nem por isso. É como no Amor. Facilmente reconhecemos que ele deve ser transparente mas dificilmente aceitamos que ele é escasso e finito. É por isso que, como a água, também ele nos pode afogar.
Crescer ao lado do mar permitiu-me viver nessa ilusão da água, por vê-la todos os dias a ondular até à linha que se desenha num horizonte onde me parecia impossível chegar. Aconteceu-me o mesmo com o Amor, por viver nele e me parecer impossível atingir o seu fim. Depois atingi, numa noite qualquer em que mergulhei e me custou voltar à tona para respirar.
Aprendi com os dias que a ilusão da água é a ilusão do Amor. São bens escassos, e por isso tento usá-los de forma consciente para que a sua reserva não acabe. É assim que faço com o Amor. Todos os dias tomo um curto banho reconfortante, todos os dias mergulho a minha língua em água refrescante. De vez em quando mergulho o corpo.

6.14.2011

conversa 1790

Ela - Estou a envelhecer.
Eu - Não estás nada.
Ela - Estou sim. Vou fazer quarenta anos daqui a pouco tempo e já tenho rugas na cara.
Eu - Ah! Pensei que estavas a dizer que estás velha. A envelhecer assim normalmente, isso estás. Estamos todos, aliás.
Ela - Vês? Admitiste.

conversa 1789

Ela - O sexo cansa-me.
Eu - É normal que canse. É uma actividade física...
Ela - Não é isso, pá. Ando é com a libido em baixo, não sei porquê.
Eu - Ah!
Ela - Acho que preciso de inovar...
Eu - Já falaste com o teu marido sobre isso?
Ela - Já... disse-lhe que o sexo me anda a cansar.
Eu - E ele?
Ela - Ele disse que não sabia como se, afinal de contas, já não temos sexo há uns meses.
Eu - Teve mais ou menos o mesmo raciocínio que eu.
Ela - Pois... os homens são uma tristeza...

coisas que fascinam (127)

mousse de chocolate

Os olhos dela são uma mousse de chocolate. São doces. É neles que eu, coração de manteiga, me derreto nessa doçura do cacau e vou fervendo sem coalhar até ganhar a textura sedosa duma gema de ovo. É neles que o meu Amor se ergue como claras em castelo e se mistura finalmente num banho de saliva. Que não vem do mar.

puzzle bobble

Percebo o quão fácil pode ser uma vida quando me ponho a jogar a última aplicação que instalei no meu telemóvel. É uma versão em java do clássico Puzzle Bobble e, como não tem som, permite-me ouvir Serge Gainsbourg ao mesmo tempo. Ando feliz com esta possibilidade que a vida me ofereceu de bandeja: jogar Puzzle Bobble e ouvir Serge Gainsbourg em simultâneo.
Comprei um cartão de memória com mais espaço só para poder ter à minha disposição, a qualquer hora do dia, toda a discografia do Serge Gainsbourg, e isso chegaria para me fazer feliz, fosse numa viagem de comboio ou na sala de espera dum consultório médico. Mas mesmo assim acrescentei-lhe um jogo cujo único objectivo é fazer pontos. Pontos, pontos e mais pontos que não servem para mais nada do que se acumularem entre si no canto superior direito do ecrã do telemóvel.
Hoje aproximei-me dos dez mil, meta psicológica que tenho vindo a tentar alcançar desde há alguns dias. Por uns momentos o meu instinto de caçador de pontos sentiu-se satisfeito, por isso pousei a arma e dediquei-me a ouvir em looping o "My Lady Héroine". De olhos fechados, porque Amo a música tal como Amo muitas outras coisas na vida.
Acho que aprendi precisamente com a vida que é um erro misturar um jogo e Amor, principalmente quando o objectivo do jogo é apenas acumular pontos. É que podemos acumular milhares deles que no fim acabamos por perder na mesma. Da minha vida com a Raquel já desliguei o jogo, do telemóvel ainda não. Só de vez em quando.

6.13.2011

respostas a perguntas inexistentes (158)

montanha russa



Este fim de semana andei em algumas montanhas russas com a Raquel. Ela gritou, eu não. É óptima, esta sensação que permite a um homem armar-se em forte e corajoso por coisa nenhuma, mas também é falsa. No fim de cada uma, cada qual com o nome mais conceptual possível ("Superman - La Atracción de Acero", "Batman - La Fuga" ou "Stunt Fall"), ela esta estava na boa. A mim as pernas tremiam. Talvez as mulheres expulsem o medo da forma mais imediata possível enquanto os homens preferem engoli-lo, seja por vergonha ou não.

6.10.2011

verão azul

Sempre que vou a Madrid, mesmo antes de apanhar o avião, lembro-me da série Verão Azul. Este fim de semana, muito provavelmente, não virei aqui, mas se houver oportunidade até venho. Bom fim de semana para vocês!

6.09.2011

respostas a perguntas inexistentes (157)

o equilibrista bêbado

Sei sempre que alguém me está a mentir ou, vá lá, a faltar involuntariamente à verdade, quando me diz que vive um Amor equilibrado. Ou então é de mim, que nunca me equilibrei decentemente em nenhum dos Amores que vivi. Estou sempre a cair. Na melhor das hipóteses sinto-me um equilibrista bêbado a andar no arame a dez metros de altura.
Um amigo disse-me isso hoje durante um uísque on the rocks, que vive um Amor equilibrado porque gosta tanto dela como ela dele. E eu ri-me. Se ele acha isso é porque já não a Ama. Se a Amasse ia sempre achar que gostava mais dela do que ela dele. É inevitável. Não lho disse assim, talvez por falta de coragem, mas ri-me. E ele perguntou-me abruptamente "o que é que foi?". Foi isso mesmo. Ele não está apaixonado. Não pode.
Apaixonado estou eu. O que não estou é equilibrado. A última vez que me equilibrei foi porque estava triste ou, pior do que isso, nem triste estava. Não estava nada. Nada de nada. Nem sequer embebecido. Depois apaixonei-me e comecei a andar todo torto, com vertigens e vómitos. Acho sempre que gosto mais dela do que ela de mim. Isso entorta-me. Pronto.
Tenho a certeza que se um dia destes me endireitar é porque deixei de a Amar. O Amor é isso: desequilibra-nos para que nos apoiemos em quem Amamos. O resto é fácil, quando nos deixamos de apoiar é porque não Amamos. Tão certo quanto um e um serem dois.
O que é que foi? Perguntou ele outra vez. Pedi mais dois uísques levantando o meu copo vazio. Estás bêbado, disse ele. E eu concordei. Aliás, discordei. Não estava bêbado coisa nenhuma. Sou é um equilibrista bêbado, que é diferente. Ainda bem.

coisas que fascinam (126)

Tenho esta mania de gostar das mulheres que não conheço. Acho eu que, por não as conhecer, imagino sempre o melhor de cada uma delas. Isto seria normal se se passasse com tudo aquilo que eu não conheço. Mas não passa. Só as mulheres é que têm esta capacidade me fascinar por não as conhecer. Desconheço porquê.

6.08.2011

respostas a perguntas inexistentes (156)

comer

"Comer uma gaja" ou "comer um gajo", se não é a forma mais bonita de se dizer que se fez Amor com alguém, é pelo menos a forma mais justa. Algumas mulheres, a quem a expressão "comer uma gaja" enoja, até reagem com um "blhac!", exactamente como se estivessem a afastar de si um prato de comida estragada. Tem, portanto, tudo a ver.
A língua é, aliás, fundamental no acto de fazer Amor, talvez porque nela estão presentes a maior parte das papilas gustativas do nosso corpo. É através da língua que um homem pode dizer se uma mulher é doce ou salgada, tanto para a provar como para o dizer.
O Amor faz-se como se come. Às vezes prefere-se uma suave saladinha de Verão, outras vezes uma picante francesinha que faz suar. Tudo depende de como e quantas vezes se quer comer por dia. Também há alturas em que preferimos comer às trinquinhas e outras à glutão. Seja qual for a versão, produzimos sempre mais saliva que o normal. A saliva é a seiva do Amor e da fome.
Por falar em fome, existe uma solidão sexual em cada um de nós, e essa mata-se com sexo, tal e qual como se mata a fome com comida. Estas duas formas de saciar o corpo complementam-se na sua necessidade: uma engorda e a outra emagrece. Se não quiserem dizer assim, não o digam. Mas enquanto aqui andam, comam.

6.07.2011

conversa 1788

Ela - Ao meu marido só lhe apetece sexo quando está a dar a novela. É uma seca.
Eu (risos) - Se é mesmo assim, podes pôr a gravar a novela e vês depois.
Ela - Ou isso ou ponho o televisor no tecto.

a vida segue dentro de momentos

A vida segue dentro de momentos. Ainda bem, pensa ele enquanto tenta apagar luz com a ponta do dedo sem que o interruptor faça o seco ruído do costume. Não consegue. Click! A vida segue dentro de momentos.
Já tinha perguntado a si mesmo quando seria a primeira vez depois da última, porque depois da última pode ser uma vez qualquer: a segunda, a terceira, a quarta, a centésima ou a primeira de novo. Apercebeu-se que seria a primeira de novo quando ela fechou a porta com força e não voltou como era, aliás, habitual. Discutiam, ela saía amuada e depois voltava. Menos desta vez, que a porta se manteve fechada cigarro atrás de cigarro, uísque atrás de uísque, minuto atrás de minuto. Ou à frente, já nem sabe bem.
O pior de quando uma mulher se vai embora é que leve o seu corpo com ela. Se fosse possível era bom chegar a um acordo do tipo "vais-te embora de vez mas o corpo só vai embora aos poucos". Vai-se embora uma hora hoje, duas amanhã, quatro depois e assim por diante. É que um corpo de mulher vai enganando bem a alma, enquanto a alma nunca consegue enganar um corpo.
E ela foi-se. Ela e as pernas dela, ela e as mãos dela, ela e os seios dela, ela e a vagina dela, ela o pescoço dela, ela e a voz dela, ela a pele dela, ela e o corpo dela. Todo. Ficou só a vida, aquela em que se respira involuntariamente sem se perceber porquê, aquela em que os outros passam por nós sem nunca passarmos por eles. E ele a fumar, a beber e a viver essa vida. Só isso. Até hoje.
Hoje, num autocarro sobrepovoado de pessoas sós, sentiu o pénis endurecer ao mesmo tempo que o coração amolecia. Normalmente é assim e o contrário também acontece: quando o coração endurece, o pénis amolece. Ela também o sentiu, a beijar-lhe a saia numa travagem brusca na última paragem. Saíram os dois e perguntou-lhe as horas mesmo tendo um relógio no pulso. Eram sete da tarde. Jantaram juntos, caminharam em direcção a lugar nenhum, deram as mãos e os lábios como quem dá o que não tem para dar. Agora são onze da noite e ela está na sala dele, sentada no sofá de copo de uísque na mão e algum brilho, pouco, no olhar. Click! A vida segue dentro de momentos.

6.06.2011

conversa 1787

Ela - Estive fora de casa uma semana e deixei algumas refeições prontas para o meu marido ir aquecendo no microondas. Acreditas que ele nem sequer se deu ao trabalho de aquecer uma?
Eu - Cozinhou outras coisas?
Ela - Diz que comeu sempre no shopping.
Eu - Ah! E porque é que raio lhe deixaste as refeições prontas? Ele não é maior de idade?
Ela - É! Mas eu deixei-lhe em doses individuais que era para ele não poder jantar com mais ninguém, percebes?
Eu - Mais ninguém ou mais nenhuma mulher?
Ela - Mais nenhuma mulher, pronto. E escusas de criticar. É muito mais fácil falar do que fazer...

como numa bebedeira qualquer

Dizer que se Ama alguém é o fim, ou quase. Depois da palavra Amor não há mais mais nada a explorar a não ser um corpo e o seu tempo. É por isso que nunca se deve dizer a uma mulher que se a Ama se o corpo dela não estiver já ali no minuto seguinte. Para que o fim não seja antes desse tempo.
Era bom que a palavra Amor fosse mais fácil. Mas não é. Talvez até seja a palavra mais difícil do mundo. Todos os bêbados já se aperceberam disso porque a palavra Amor, para além de ser a mais feliz, também é a mais triste. Exactamente como uma bebedeira qualquer. Não sabe se se está a explicar bem neste pensamento, mas sabe que nunca sabe o que está a dizer quando lhe diz que a Ama. Só que está a ser sincero, como numa bebedeira qualquer. Nesta, por exemplo.
E ele repete que a Ama depois de mais um gole num copo de vinho morno, enquanto ela varre o café como se em pouco tempo o quisesse enxotar com a vassoura. Tudo normal. Amar alguém e ser um insecto que se enxota não é muito diferente. Pelo menos quando o corpo dela não está já ali, no minuto que se segue. Desampara-me a loja, diz ela. Amo-te, insiste ele já na rua despovoada pela noite. Amo-te.
Nas montra de um pronto-a-vestir alguns manequins estão com insónias. Pelo menos ainda estão acordados e cochicham sobre o homem que acabou de se deitar mesmo à frente deles, aconchegado apenas pelo fresco bafo do vento. Talvez esteja bêbado, diz um. Talvez esteja apaixonado, diz outro. Talvez esteja as duas coisas, insiste o terceiro. E calam-se. É muito mais difícil não Amar ninguém depois de já ter Amado pelo menos uma vez na vida, responde-lhes o homem no seu hálito morno e tinto antes de adormecer.

6.03.2011

respostas a perguntas inexistentes (155)

o sono

Disse-me hoje uma amiga que o sono é um desperdício, que dormir oito horas por dia significa viver apenas quarenta anos em sessenta. É verdade, pensei eu, se dormirmos sozinhos. A sensação de que se viveu durante o sono existe quando se adormece e acorda com alguém ao lado.

conversa 1786

Ela - Alguma vez foste ver as mensagens de telemóvel do telefone da tua namorada às escondidas?
Eu - Não, claro que não.
Ela - O meu marido já foi ver as minhas. Deve ter desconfiado de alguma coisa...
Eu - Como é que sabes?
Ela - Eu deixei o meu telemóvel em cima da mesa da sala com o ecrã para baixo, fui à casa de banho e quando voltei ele estava com o ecrã para cima.
Eu - Isso não quer dizer nada. Ele pode ter mexido no telemóvel só para arrumá-lo melhor ou assim...
Ela - Pois, e deve ter aproveitado para ver as minhas mensagens.
Eu - Mas porque é que dizes isso?
Ela - Porque eu já fiz o mesmo com o dele.

pensamentos catatónicos (251)

Uma pessoa que Ama tem a vantagem de conseguir ser feliz às vezes, mas tem a desvantagem de não conseguir evitar a tristeza outras vezes. As pessoas que não Amam andam sempre mais ou menos.
Ninguém nasce sem a capacidade de Amar. É uma coisa que se treina quando se quer desistir confortavelmente da vida. Normalmente começa-se por abanar os ombros sempre que alguém nos pergunta como estamos e cuspir entre dentes um "assim assim". Depois, a pouco e pouco, vai-se perdendo a capacidade de saborear alimentos, de desejar o calor de um abraço ou de agradecer a um desconhecido que pára o carro para nos deixar atravessar a rua. Enfim, não sorrimos mas também não choramos. É uma vida confortável, embora seja um conforto de merda que normalmente acaba sentado horas a fio em frente a um televisor onde se vai desperdiçando a vida.
Os portugueses, enfrente-se a verdade, estão cada vez mais assim, pessoas que estão sempre mais ou menos. Os sorrisos rareiam nas ruas das cidades e quando surgem são tratados como se fossem ervas daninhas, tão espontâneas quanto indesejadas. Torna-se difícil ser-se alguém que Ama, que ora está triste ora feliz, porque a tristeza e a felicidade são sentimentos que precisam de mais alguém.

6.01.2011

conversa 1785

Ela - Tenho medo que um homem se apaixone por mim só pelo meu corpo e não por aquilo que eu sou.
Eu - Percebo.
Ela - Percebes?
Eu - Claro, a mim sempre me aconteceu mais ou menos o mesmo.
Ela - Aconteceu?
Eu - Sim, sempre tive medo que uma mulher se apaixonasse pelo que eu sou e não pelo meu corpo.

respostas a perguntas inexistentes (154)

quarenta anos

Este ano, pela segunda vez na vida, vou fazer quarenta anos. A primeira vez que fiz quarenta anos tinha vinte e oito, agora tenho trinta e nove e vou repetir a façanha. Fazer quarenta anos é uma coisa que nos pode acontecer a todos de vez em quando, para o bem e para o mal.
Na primeira vez que fiz quarenta anos não me apercebi logo. Na verdade sentia-me feliz porque me estava a casar e a acreditar que a vida me ia correr bem. Demorei algum tempo a perceber que não ia ser bem assim, e por isso divorciei-me quando tinha trinta cinco para poder regressar aos vinte e oito que tinha quando fiz quarenta pela primeira vez.
Fazer quarenta anos pela segunda vez na vida é para mim uma contradição de emoções. Acho que o tempo acaba de virar a ampulheta como se quisesse lembrar-me que estou a envelhecer, mais ou menos ao mesmo tempo que me deixou cair novamente na armadilha do Amor. É uma espécie de contagem decrescente apaixonada, que é como quem diz: "Ama enquanto podes".
A vantagem de fazer quarenta anos pela segunda vez é precisamente essa, a de já ter caído na armadilha do Amor pela segunda vez. Assim, se fizer alguma festa com amigos, não é apenas por fazer quarenta anos mas sim por por fazer quarenta anos e estar apaixonado. E também por ter amigos, claro. Ter amigos e estar apaixonado é um Privilégio, assim com letra maiúscula de propósito.