10.29.2010

conversa 1626

(no café)

Eu - Que horas são?
Ela - São horas de eu decidir se ponho ou não fim a o meu namoro de dois anos.
Eu - Ahn?
Ela - São horas de eu decidir a minha vida.
Eu - Eu só queria mesmo saber que horas são. O relógio deste café está parado.
Ela - Ah! São duas e meia.

conversa 1625

Ela - Vou tirar este fim de semana para estar com algumas amigas minhas. Tudo mulheres.
Eu - Fazes bem.
Ela - Não sei se faço.
Eu - Porquê?
Ela - Isto de sair só com mulheres pode querer dizer duas coisas.
Eu - Que coisas?
Ela - Ou tenho uma idade mental ainda de garota ou já tenho uma idade mental própria da terceira idade.
Eu - Não percebo.
Ela - Acho que só tem lógica sair com as amigas quando ainda somos garotas ou quando já estamos velhinhas...
Eu - Mas porquê?
Ela - Quando somos garotas os homens ainda são estúpidos, quando ficamos velhinhas os homens já são estúpidos outra vez.

pensamentos catatónicos (220)

zapping ao pequeno-almoço

Os ecrãs dos nossos televisores estão empanturrados com uma publicidade da Meo, feita pelos Gato Fedorento, que apregoa que aquele é o serviço de televisão por cabo com o zapping mais rápido do mercado. Mais nada, só isso. E para prová-lo montaram um laboratório gigantesco onde comparam aquele ao zapping da concorrência. A Meo é portanto a assumpção de que as pessoas já não param para contemplar nada, nem que seja um mísero programa na televisão, e que preferem passar (que é como quem diz perder) as noites a saltar pelos canais todos.
O problema é quem faz zapping acaba por ver um pouco de tudo sem perceber de facto nada, e isto não seria um problema se não se estendesse à nossa própria vida, incluindo ao nosso próprio Amor que, principalmente por força do endeusamento da Economia, se está a transformar em mais um programa no meio de muitos pelo qual passamos às vezes os olhos. Hoje tomei café de manhã numa pastelaria dos subúrbios da cidade onde vi uma mulher despedir-se do companheiro levando a mão à boca para simular um beijo. Não o beijou de facto e depois saiu a correr para apanhar um autocarro cujos freios já se faziam ouvir. Depois vi-o a ele a encolher-se perante o copo de galão meio vazio e a torrada mal roída que ela deixou em cima da mesa. Acho que o povoou uma qualquer sensação de abandono.
O zapping é essencialmente isto: abandono. E eu não queria que ele passasse por mim. Se eu podia viver com ele? Podia. Mas não era a mesma coisa.

10.27.2010

significado uma pessoa flatulenta

Mais algumas busca no google que vieram aqui dar...

como ganhar um bom rabo
Eu, mesmo sem ser um grande especialista no assunto, aconselhava a pedir mais do que uma opinião neste assunto.

eu me apaixonei por um homem da net mas ele não me ama
Às tantas é por ter sido pela net. Digo eu, sei lá...

mulheres nervosas ao extremo
Isso não existe, pois não? Mulheres nervosas... naaaaa. Nunca ouvi falar.

Mais algumas buscas no Google que vieram aqui dar...
mulheres sensuais de rabo de peixe
Até podem ser sensuais. Não as aconselho é a dizer de onde são logo assim à primeira. Podem perder a sensualidade...

mulheres trazando com porco
Epá, isso tem muito que se lhe diga. Um gajo usa as mesmas meias três ou quatro dias seguidos e elas já acham que um gajo é porco.

porque as mulheres gostam de espremer espinhas
É verdade que gostam, mas eu acho que gostam mesmo é de espremer um gajo. As espinhas são uma desculpa.

sexo com velhas 95 anos
Se fosse com novas de 95 anos admito que ficava mais espantado.

sexo de porco com porcas
Portanto, tem um porco e várias porcas. É isso? Hum... hum... feliz, o porquinho.

significado uma pessoa flatulenta
Espero que não seja tarde demais mas vou dar uma pista: não é tocar flauta.

vidios de sexo gratis de mulheres com porcos
Um pedido tão específico e tem que ser grátis?

conversa 1624

Ela - Os homens deviam perceber que não se deve dizer a uma mulher mal dum amigo dela.
Eu - Porquê?
Ela - Primeiro porque dá mau aspecto falar mal doutro homem pelas costas.
Eu - Sim, concordo.
Ela - Segundo porque quem diz mal doutro normalmente tem problemas de afirmação, ou seja, para se afirmar precisa de denegrir a imagem doutra pessoa.
Eu - Sim, também concordo.
Ela - Terceiro porque não acho que sejas assim tão palhaço.
Eu - Ahn?
Ela - Estiveram-me a dizer mal de ti.

10.26.2010

conversa 1623

Ela - Um problema só é um problema se tiver solução.
Eu - Se não tiver solução é o quê?
Ela - É um homem.

10.22.2010

conversa 1622

(no café)

Ela - Ontem mandei-te um email.
Eu - Eu vi, eu vi...
Ela - Viste mas não respondeste.
Eu - Não me perguntaste nada.
Ela - Mas podias ter acusado a recepção, ao menos.
Eu - Poder podia, de facto, mas não achei importante.
Ela (levanta-se)
Eu - Vais embora? Ainda agora chegámos.
Ela - Eu podia ficar mas não acho importante.

conversa 1621

(numa sala escura depois do disjuntor ter disparado)

Eu - Onde é que estás?
Ela - Aqui.
Eu - Mas onde?
Ela - Aqui no meio da escuridão. Não me vês?
Eu - Não.
Ela - Cegueta.

piolho

Ainda há revistas de poesia a sério. Agradeço ao Centro Nacional de Contracultura o convite para participar na Piolho 002. Podem comprá-la contactando o editor num dos seguintes links: edições mortas, facebook piolho, e facebook edições mortas.

10.21.2010

conversa 1620

Ela - Pela primeira vez tive uma reclamação na cama.
Eu - Uma reclamação na cama?
Ela - Sim, um gajo que me disse que eu me mexo muito pouco. Estava sempre a dizer "mexe-te, mexe-te".
Eu (risos)
Ela - Não te rias, não tem piada nenhuma.
Eu - Tens que admitir que tem.
Ela - Só não percebo uma coisa.
Eu - O quê?
Ela - Como é que ele queria que eu me mexesse com ele em cima de mim. O gajo pesa uns noventa quilos e eu sou esta trinca-espinhas. Se eu me conseguisse mexer, acho que tinha fugido.

conversa 1619

Ela - Quando é que podes sair comigo à noite?
Eu - Hum... talvez este fim de semana.
Ela - Ando mesmo a precisar de beber uns copos?
Eu - Epá, tudo bem, mas olha que para copos não ando grande coisa.
Ela - Tudo bem, só preciso mesmo que me leves a casa ao fim da noite.

respostas a perguntas inexistentes (110)

Uma mulher tem inveja da própria sombra que se estende pela textura petrificada dos passeios da avenida. Está deitada, a sombra, e ela também queria estar. Na verdade era o que ela mais queria, que tem acumulado o cansaço dos dias num corpo cada vez mais fraco. Até a sua cabeça já só funciona em piloto automático. Agora olha para a sua própria sombra com inveja e esse é apenas mais um pensamento automático.
Um homem tem inveja da própria sombra que na parede vazia da sala fuma um cigarro descontraído. Ele também fuma um, só que preocupado e trémulo perante a incerteza dos dias. Tem acumulado essa incerteza numa dívida crescente que não consegue pagar, numa janela onde a chuva e o Sol não se decidem e, mais do que tudo, numa mulher cujos beijos da vida foram encolhendo até hoje de manhã, momento em que se despediu apenas com a timidez duma palavra: tchau.
Ela tem a tristeza do passado, pelo menos é o que acha. Ele tem a tristeza do futuro, pelo menos é o que acha. Ambos têm a incerteza do presente, pelo menos é que acham.
O que ambos acham também, é que a vida se cansa do amor quando o amor se cansa a si mesmo. Talvez logo à noite as suas sombras se possam tocar antes deles próprios o fazerem. Num beijo lento, numa mão dada ou noutra coisa qualquer. Às vezes é melhor assim.

sem surpresas

Hoje à noite, para quem não quiser ficar fechado em casa a ver miúdas giras na televisão, os Couscous Prosjekt, ou seja, o dj Bagaço Amarelo e a dj Moa Bord, estão no Clandestino bar em Aveiro a partir das 22:45. É muito provável que esta música ocupe o lugar do silêncio durante parte da noite.

10.20.2010

já estou pronta

Quando uma mulher grita do quarto que já está pronta enquanto ele espera encostado à porta de casa já entreaberta, definitivamente não está pronta. É uma questão técnica, primeiro que tudo, porque se ela estivesse mesmo pronta podia vir andando e não precisava de avisar. Até aqui nada de especial, o problema é que não é apenas a questão técnica que está por trás disto. O que ela quer dizer realmente quando grita que já está pronta, é mais ou menos "vai descendo e mesmo que aguentes mais uma hora à minha espera finge que não estás nada aborrecido!".
Era muito melhor se ela dissesse que demorava cinco minutos, vinte minutos ou mesmo meia-hora a arranjar-se, mas nunca o faz. Isso somos nós, os homens, a fazer, e somos palermas por fazê-lo. Quando um homem diz que precisa de cinco minutos, a pressão fica toda sobre ele. Quando ela diz que já está pronta e não aparece de imediato, não há pressão nenhuma. Mentiu. Ponto final.
Esta lógica do "já estou pronta" aplica-se, em abono da verdade, a tudo na vida o que diz respeito à relação entre um homem e uma mulher. Até porque se, quando ela o diz, ele for ao quarto averiguar por que motivo ela não aparece, a resposta dela é um simples "ai homem! és tão chato!", que na verdade quer dizer "desaparece já daqui!". É assim: para manter uma relação saudável e feliz, ele deve desaparecer sempre que tiver alguma razão numa possível discussão. Por outro lado, quando ele não tiver razão nenhuma o melhor é não desaparecer, que é para ela poder ganhar mais uma luta verbal.

10.19.2010

conversa 1618

Ela - Qual é o teu clube de futebol?
Eu - O Beira-Mar.
Ela - Não é isso... entre o Porto, o Benfica e o Sporting qual é o teu clube?
Eu - Nenhum.
Ela - Assim não dá para falar contigo.

conversa 1617

Ela - Não percebo a tara que os homens têm pelo sexo anal. Caraças, pá. Com o paraíso mesmo ali ao lado e só pensam em cu.
Eu - Qual paraíso ali mesmo ao lado?
Ela - Qual é que havia de ser? A vagina...
Eu - Ah!
Ela - Que cara é essa?
Eu - Desculpa lá, mas a contares-me isso como é que queres que eu olhe para o teu marido quando o encontrar?
Ela - Desculpa, tens razão. Não devia ter contado isto assim... é que ando nervosa.
Eu - Pronto, bebe um copo que isso passa.
Ela - Mas não olhes para ele com cara de cu que ele ainda te salta em cima.

conversa 1616

Ela - Dói-me tudo.
Eu - Tudo?
Ela - Tudo, tudo. Precisava duma massagem.
Eu - Hum... já ouvi falar muito bem duma massagista que trabalha ali perto do teatro Aveirense...
Ela - Pois... mas eu preciso é de um massagista.

respostas a perguntas inexistentes (109)

Um homem queixa-se ao balcão do bar. Diz ele que a vida vai de mal a pior e que se fosse mais novo mudava de país. Estou a tomar café sozinho mesmo ao lado e, apesar de ele olhar apenas para a barwoman que finge prestar-lhe atenção enquanto arruma melhor os pastéis de nata numa travessa, está a falar para todos os presentes. Está zangado e quer que todos o ouçam.
Eu concordo com ele, que este país vai de mal a pior, até porque esta manhã já tinha lido no Público Online que a mãe do nosso primeiro-ministro comprou a pronto um apartamento a um "offshore" num ano em que declarou menos de 250 euros de rendimento. É apenas mais um apontamento na cascata de más notícias que todos os dias nos assola. O que acho estranho é que todos os que se queixam queiram mudar de país e não mudar o país. Talvez seja por isso que estão sempre os mesmos no Governo.
Nas relações também é assim. Quando correm mal foge-se e não se tenta perceber. Não se tenta mudar. Ontem, também num café, um amigo dizia-me entre algumas garrafas de cerveja vazias que já vai no segundo casamento e que não está a resultar. Se fosse mais novo tentava já o terceiro. Nunca somos velhos demais para aceitar o sofrimento, respondi-lhe. Muito menos quando ainda estamos nos quarenta, insisti depois depois de mais um gole. O amor, por um homem, por uma mulher ou por todos nós (diga-se país), é também a nossa capacidade de intervir nele. Sem desistir...

10.18.2010

a torre das águias

Aspecto exterior da Torre das Águias
Diz uma placa colocada pela região de Turismo de Évora que a Torre das Águias, na Vila das Águias (pertencente à aldeia das Brotas no concelho de Mora), foi construída no século XIV por Dom Nuno Manuel, guarda-mor de D. Manuel I. O problema é que a única coisa em bom estado de conservação que se encontra por ali é mesmo a placa. De resto, a torre, um solar fortificado do tipo gótico-manuelino, com quatro pisos e paredes que chegam aos dois metros de grossura, está num estado de degradação tal que a queda da mesma se avizinha eminente
.
Estado de degradação geral do interior

Escada interior em caracol
Guaritas no último piso
Mesmo assim é um monumento que se deve visitar. A torre, em formato quadrado, tem quatro pisos e no último, a 22 metros de altura, algumas agulhas cónicas que serviam de guarita. Serviria essencialmente para apoio aos dias de caça e tem, a esse propósito, uma  lenda cristã por trás. Diz-se que os mouros emboscaram e mataram o senhor da Torre enquanto este andava à caça e que depois se dirigiram para a torre. A senhora da torre, avisada do perigo por um escudeiro, orou a Santa Maria de Aguiar para que esta a protegesse e esta enviou-lhe um cavalo alado para a fuga. O chefe dos mouros, ao ver o milagre, converteu-se ao cristianismo.

Tecto em abóboda
Devo ainda dizer que a aldeia das Brotas tem excelentes condições para acolher turistas e é um destino óptimo para quem precisa de desanuviar o stress. Eu, por mim, volto lá um dia destes...

10.15.2010

conversa 1615

(no café)

Ela - Estás a ver aquele gajo sentado ali no canto?
Eu - Sim.
Ela - As minhas amigas andam todas tolinhas por ele.
Eu - E tu não?
Ela - Eu não. Ele é bonito mas é demasiado bonito.
Eu - Demasiado bonito? Pode-se ser demasiado bonito?
Ela - Sim, um homem tem que ser um bocadinho feio também. Não muito, mas um bocadinho...

eighties

Tive a sorte de fazer nove anos em 1980. Não é que a década de oitenta tenha sido melhor que outra qualquer, mas foi com toda a certeza uma década de ilusão, ou de ilusões, e portanto a altura ideal para ser criança.
Em Portugal a ditadura e a guerra tinham acabado, o PREC também. No mundo vivia-se a expectativa do princípio do capitalismo especulativo e os jogos sem fronteiras, apresentados pelo Eládio Clímaco, eram um cheirinho infantil do que viria a ser a entrada na CEE em 1986. Lembro-me de ver com emoção a equipa de Aveiro vencer um desses jogos e andar orgulhoso com o feito durante um ano lectivo inteiro. O país unira-se em torno de tal conquista e Aveiro entrara no mapa. Portanto, a rua onde eu me divertia a pendurar fitas de Carnaval nas antenas dos poucos automóveis que iam passando também entrara. Eu estava a crescer e o mundo era cada vez mais pequeno. Parecia-me bem.
Em 1981 senti pela primeira vez que o mundo podia ser terrivelmente injusto, quando o Carlos Paião ficou em penúltimo lugar no festival da Eurovisão com a música PlayBack, mas nem por isso perdi a fé naquilo que para mim parecia ser o princípio da globalização: Jogos Sem Fronteiras, Festival da Eurovisão e a minha avó ir a Espanha comprar ananás enlatado em grandes quantidades.
Mas se em 1980 fiz nove anos, em 1985 fiz 14, e com essa idade vieram também as primeiras paixões a sério e as primeiras noites com a cabeça na almofada sem perceber muito bem o que me estava a acontecer, e a esta desordem emocional juntava-se a desordem racional. Percebi então que as mulheres de quem um homem gostava podiam, pura e simplesmente, não lhe ligar nada, e a união que eu sentira no país em relação aos Jogos Sem Fronteiras era falsa. Pelo menos uma fractura havia: aquela entre a maior parte dos retornados que diziam que Portugal precisava dum Salazar outra vez, e os comunas de que a cidade onde eu vivia dizia normalmente mal. Ao mesmo tempo que me apaixonei por uma morena do liceu que nunca me ligou nada optei por gostar desses comunas, um pouco contra tudo e contra todos. Afinal, do pouco que eu sabia, tinham sido sempre eles a protestar com a guerra.
Convém também lembrar que Portugal era um país racista nessa década, embora com dois tipos de racismo. Havia portugueses que simplesmente detestavam pretos, haviam outros portugueses que não os detestavam mas tinham pena deles por serem uns coitadinhos (se calhar este é o pior dos racismos) e, finalmente, outros que não os detestavam e não tinham pena deles. Incrível, achavam que eram pessoas como as outras todas. E eu também passei a achar.
Depois, como tudo, a década de 80 chegou ao fim. Em 1989, a morena por quem eu me apaixonara, desapareceu simplesmente do meu circuito e vim a apaixonar-me por outra mulher que acabou por ser a mãe da minha filha. A clarificação da minha vida emocional trouxe também alguma clarificação política: nem os retornados eram todos parvos à espera dum novo Salazar, nem os comunas eram todos uns reais ideólogos socialistas. Optei por esquecer definitivamente a morena e por adiar as minhas opções políticas para quando percebesse mais alguma coisa do assunto.
Estava a pensar nisto porque este fim de semana vou para uma festa dos anos 80 no Alentejo, que é também o aniversário dum amigo da Raquel, a minha companheira de vida actualmente. A Raquel é essa morena que, depois de se evadir da minha vida nos anos oitenta tornei a encontrar há cerca de dois anos, já divorciado e com uma filha grandota. Actualmente sou também aderente do Bloco de Esquerda em Aveiro. Estava a pensar no labirinto que a minha vida foi durante estes anos todos. A minha vida, como outra qualquer.

10.14.2010

conversa 1614

Ela - Sabes mesmo qual é o meu maior problema?
Eu - Ter quarenta e dois anos e não teres filhos?
Ela - Estúpido.
Eu - Estúpido porquê?
Ela - Podias enganar-te pelo menos uma ou duas vezes...

respostas a perguntas inexistentes (108)

É o quinto fósforo que tenta acender em vão. Todos se apagam com o ligeiro sopro que se insinua timidamente pela frincha da janela da cozinha. O bico aberto do fogão vai libertando gás e por isso desliga-o. Não é que seja grave não cozinhar agora o almoço, até porque nem sequer tem fome, mas de repente toda a sua vida lhe passou à frente nos cinco fósforos cuja chama se apagou de imediato. E conta pelos dedos as mulheres que ultimamente lhe fizeram o mesmo: incendiarem-no numa noite e apagarem-no na manhã seguinte. Talvez também cinco. Não tem a certeza.
O problema é que da última ainda restam algumas cinzas que se espalham com o vento morno que lhe varre o pensamento. A falta do amor é sempre assim, como um vento morno que vai semeando a preguiça dos nossos movimentos pela casa. A embalagem de cereais está em cima do frigorífico há três dias, o lixo está por levar há três dias, a toalha da mesa tem nódoas de vinho há três dias e ainda nem sequer está na máquina. Há três dias que a vida dele abrandou de ritmo, até agora em que desistiu de almoçar por causa de cinco fósforos sem chama.
Há três dias, durante o jantar, deram as mãos quase sem querer um ao outro e depois nenhum recuou. A seguir às mãos vieram os lábios e por fim o corpo. Acabaram por fazer amor no corredor por não conseguirem esperar pelo tempo que demorava chegar ao quarto. Ele estava a precisar disso e ela também. Foi o que disseram um ao outro e é verdade: não estavam nem estão a precisar de mais nada. O estranho é mesmo isso, ele não estar a precisar de mais nada. A falta de amor é sempre assim: a falta de precisar do que quer que seja.

conversa 1613

Ela - É engraçado, nunca te vi de aliança...
Eu - Detesto anéis. Aliás, detesto todo o tipo de acrescentos que se possam fazer ao corpo.
Ela - Porquê?
Eu - Não são práticos. Não consigo usar brincos, anéis nem nada disso.
Ela - E a tua namorada o que é que pensa disso?
Eu - Acho que não pensa nada. Sinceramente nunca falei com ela sobre isso.
Ela - Bem, no fundo até tem alguma sorte.
Eu - Porquê?
Ela - Um homem de aliança torna-se mais atraente, não sei bem explicar porquê.

10.12.2010

conversa 1612

Ela - Queres vir comigo a Fátima a pé?
Eu - Não.
Ela - Não?
Eu - Claro que não. Sou ateu e não vou lá de carro, muito menos a pé.
Ela - Hum... é que eu vou mesmo. Já prometi a mim mesma.
Eu - Já prometeste a ti mesma? Vais pagar alguma promessa?
Ela - Não. É para ficar com créditos...
Eu - Créditos?
Ela - Sim, se precisar no futuro de pagar uma promessa é como se já estivesse paga.

10.11.2010

conversa 1611

Ela - Detesto homens que andam uma eternidade à volta duma mulher, como cachorrinhos abandonados, e nunca dão um passo para a levar para a cama.
Eu - Isso aconteceu-te?
Ela - Conheci um gajo no infantário da minha filha com quem saí várias vezes. Ele até é interessante mas anda à minha volta e é só conversa, só conversa, só conversa...
Eu - Às tantas só quer conversa. Não está interessado em ti para mais do que isso.
Ela - Claro que está.
Eu - Pode não estar.
Ela - Claro que está. Achas que um gajo divorciado anda a convidar uma mulher para jantar, dia sim dia não, só para conversar com ela?
Eu - Acho...
Ela - Então é parvo.

conversa 1610

Ela - O que é que é mesmo bondage?
Eu - Bondage?
Ela - Sim.
Eu - É um fetiche sexual em que um domina e outro é dominado.
Ela - Um domina e outro é dominado?
Eu - Sim. Pode envolver algemas, cordas, chicotes e assim...
Ela (faz silêncio mas cora)
Eu - Não precisas de corar.
Ela - Não é isso. Acabei de dizer a um gajo na net que gosto muito de bondage.
Eu - Mas... se nem sabias o que era porque é que disseste que gostavas?
Ela - Ele é que falou nisso primeiro e a palavra nem me pareceu assim muito má. Bondage parece bondade...
Eu - Nem sei que te diga.
Ela - Não digas nada, não digas nada...

10.08.2010

conversa 1609

Ela - Desde que me separei que tenho algumas saudades estranhas do meu ex.
Eu - Isso não é estranho, é normal. Passaste tantos anos com ele que é preciso algum tempo para a coisa normalizar.
Ela - Não é isso, normal já está. O que eu estou a dizer é que algumas saudades concretas que eu tenho dele são estranhas.
Eu - Estranhas porquê?
Ela - Porque acho que o que mais sinto falta é daquilo que me fazia implicar com ele.
Eu - Por exemplo?
Ela - Por exemplo, ele deixar as beatas dos cigarros num cinzeiro no chão da varanda durante dias. Isso irritava-me tanto...
Eu - E agora tens saudades disso?
Ela - Sim, acho eu. Não sei explicar muito bem. Acho que é mesmo só por não ter ninguém com quem implicar.

conversa 1608

Ela - O meu marido nunca diz que me ama. Não sei se...
Eu - Não sabes se quê?
Ela - Não sei se ele não o diz porque não está habituado ou simplesmente porque já não me ama mesmo.
Eu - Hum... que tal perguntar-lhe?
Ela - Isso não, senão ele começa a dizê-lo só por se sentir obrigado.
Eu - E tu, dizes-lhe que o amas?
Ela - Eu não. Mas eu não o amo mesmo, percebes?

respostas a perguntas inexistentes (107)

Admito que acho as praças de alimentação um sítio óptimo para tomar café, já que me permitem estar sozinho e acompanhado ao mesmo tempo. Quando estamos, como eu estive esta semana, quase todas as noites sozinhos, a  nossa casa começa a ser um deserto e é aí que procuramos a companhia dos que não nos acompanham de facto. Por isso mesmo me sentei um dia destes na mesa da praça de alimentação dum shopping qualquer com uma dose curta de cafeína à frente.
Retirei do bolso umas folhas brancas e uma esferográfica para ver se conseguia escrever qualquer coisa mas, à falta de ideias, fui semeando desenhos como quem atira à sorte sementes de crescimento espontâneo para a terra árida. Depois uma sombra cobriu essa aridez fazendo-me olhar para cima onde, de facto, estava o céu. Uma mulher sorriu e disse-me: - "Ainda não perdeste a mania de estar sempre a desenhar", afastando-se depois lentamente.
Era ela, uma das minhas grandes paixões do liceu e que eu já não via há mais de vinte anos. Fiquei a vê-la ir, na esperança de que ela olhasse para trás pelo menos uma vez para se despedir com o olhar. Não o fez... mas talvez o tenha feito em pensamento.

10.04.2010

conversa 1607

Ela - Este fim de semana esteve tanta chuva... detesto chuva.
Eu - Detestamos todos, acho eu.
Ela - Eu só detesto chuva desde que me separei. Sou obrigada a ficar em casa e ficar em casa sozinha é deprimente demais.
Eu - Engraçado, tenho a sensação que me disseste mais ou menos o mesmo no Verão passado.
Ela - Mais ou menos o mesmo?
Eu - Sim, que detestas o bom tempo desde que te separaste porque ir à praia sozinha é deprimente.
Ela - Ah! Se calhar disse...
Eu - Realmente há pessoas que nunca estão bem. Não gostam de chuva, não gostam de Sol...
Ela - Eu estou bem se o tempo estiver mais ou menos. Nem muito bom, nem muito mau. Aliás, quando estou sozinha quero que o mundo inteiro seja exactamente assim em tudo. Nem muito bom, nem muito mau...

10.01.2010

conversa 1606

Ela - Então?
Eu - Então o quê?
Ela - Não reparaste em nada de diferente em mim?
Eu - Hum... cortaste o cabelo...
Ela - Não.
Eu - Tens um vestido novo...
Ela - Não.
Eu - Emagreceste?
Ela - Não.
Eu - Compraste uns sapatos?
Ela - Não.
Eu - Tens uma carteira nova, uma pulseira nova, um colar novo, pintaste-te ou puseste pó de arroz... foi isso?
Ela - Não.
Eu - Então o que foi? Desisto.
Ela - És um amigo incrível. Nem sequer reparas que eu fiz uma tatuagem?
Eu - Tatuagem? Onde?
Ela - Aqui no braço.
Eu - Mas... está debaixo da camisola...
Ela - Sai um bocadinho, sai um bocadinho...

conversa 1605

Eu - Queres almoçar comigo?
Ela - Quero. Passo em tua casa para te ir buscar?
Eu - Sim, por favor.
Ela - Mas temos que ir a um sítio sem cheiro a comida, está bem?
Eu - Sem cheiro a comida?
Ela - Sim, ando numa fase em que o cheiro a cozinhados me enjoa. Não quero ir a nenhuma praça de alimentação nem a nenhum restaurante que seja muito fechado.
Eu - Tudo bem. Então vamos onde?
Ela - Escolhe tu. Estás à vontade para ir onde quiseres desde que seja com esta condição.

divorciemo-nos

A política de rabo na boca, texto que publiquei no site distrital de Aveiro do Bloco de Esquerda, é só uma visão, mais uma, de como nos podemos deixar adormecer pela política. O poder é hegemónico e determina aquilo que está certo mesmo quando está errado. E nós vamos aceitando...
O medo da mudança é tal que teimamos em preferir essa hegemonia mesmo quando ela nos esmaga todos os dias. Hoje, por exemplo, e a sério que é só mais um exemplo, o mesmo PS que votou contra a criação duma bolsa de manuais escolares para famílias pobres, decidiu também enquanto governo gastar 134 mil euros num carro para transportar individualidades. Se o governo PS formasse uma maioria absoluta, o projecto da bolsa de livros escolares não tinha passado, ou seja, uma proposta que é apoiada por uma larga maioria da sociedade tinha morrido ali.
Estou a falar nisto porque rejeito relações doentias, sejam elas do foro amoroso ou político, e acho que a relação doentia que os portugueses mantêm com o poder político PS/PSD é a mesma que muitos sentem na sua relação pseudoamorosa. Quem está mal numa ou noutra que se divorcie e comece uma vida nova. Divorciemo-nos...